Desde 1956, Presidente Prudente pode-se orgulhar de ter um mestre vidraceiro, um fabricador de espelho, um artista da arte do vidro bisotê e espelho trabalhados em baixo-relevo. É Tarcísio Dellevedove. Veio de Botucatu, onde aprendeu, desde criança, duas artes: a música e o trabalho em vidro e espelho. Estabeleceu-se em Prudente, vendendo vidros, montando espelho, quadros, pondo vidros em caixilhos. Era o seu ofício. Vidro e espelho tomaram-lhe boa parte de sua vida. Tal qual a vida, o vidro foi-lhe a substância transparente e quebradiça, que, para animar o romantismo, precisava converter-se em espelho, para refletir as imagens das coisas e das pessoas. Foi além de vidraceiro. Trabalhou o vidro, enobreceu-o, bisotando-lhe o ângulo que adorna as extremidades, as suas bordas, criando, no vidro ou no espelho, o baixo-relevo, um trabalho de escultura em que, nas figuras, sobressaem flores e ramos, frutos e paisagens. A beleza tinha que despontar. Dos jactos de areia, a arte milenária haveria de surgir de suas mãos artísticas, de sua paciência, de seu trabalho concentrado, convertida em enfeite nos ambientes mais requintados. É essa arte que, em sua Vidraçaria Artística, engrandeceu Prudente, como cartão de visita de uma arte em extinção. O comércio de vidro foi sempre árduo e difícil, devido às suas peculiaridades frágeis e quebradiças. Principalmente quando a esse vidro se acrescentava um trabalho artístico, para convertê-lo numa peça valorativa. Por isso, voltou-se para o outro lado seu de artista, tocando flauta. Essa arte aprendeu-a em Botucatu, com o mestre Guido Bizacó, violinista e flautista de renome, natural da velha e sempre romântica Itália. Em Prudente, pertenceu a vários conjuntos. Conserva e toca sua flauta italiana “L. Billoro”, há mais de setenta anos. Músicos prudentinos, que estiveram ao lado de Tarcísio: Pedro Karrer, o “Pedrinho Casamenteiro”, tocava bandolim; Coriolano Palmeira, violão; Maurício Cascapera, o Maestro Zíngaro, violino; Jamil Caran, o seu inseparável violão de sete cordas. Manoel Escobosa dedilhava as cordas do cavaquinho e chacoalhava o pandeiro. Reinaldo Fedato fazia as Conjunto musical com a participação de Tarcísio Dellevedove (flauta) 62 cordas do violino gemerem de paixão. O Mário Pires tirava, das cordas do violão, suspiros de amor. Marinelli os acompanhava, ao violão, fazendo, às vezes, um dueto com a flauta de Tarcísio. Zezo do violão corria os dedos em todas as cordas, para o acorde final. O Conjunto da Saudade, 1960, formado por Dellevedove, os filhos do José Bongiovani: José Carlos, Neusa e Mafalda, bem como o tio deles, Domingos, e, também, por Marinelli, Jader, Fedado e Pedrinho Karrer enfeitaram, de sons, as noites prudentinas. Serestas se fizeram e composições eternas, como “Boneca”, “Branca”, “Fascinação”, “Alma Boêmia”, “Rapaziada do Brás” e a predileta de Tarcísio, “Luar de São Paulo” e “Última Inspiração”, cortaram a solidão das noites enluaradas e subiram ao céu, carregando almas apaixonadas. Certa dose de romantismo nostálgico contagiava o grupo e os ouvintes que se transportavam para a saudade recolhida em seus corações. Seresteiros que eram, armavam serestas surpresas frente às casas dos amigos, nas solitárias madrugadas friorentas, e eram recebidos com um vinho do Porto e um tira-gosto quentinho, preparado pela dona de casa, que, à medida que fazia os croquetes, sorvia suspiros de saudade de um beijo roubado alhures, no escurinho da noite. Seresteiros marcaram um tempo prudentino cheio de amor, em que o romantismo e a saudade eram companheiros de emoções vividas nas paisagens fortuitas das praças Nove de Julho, Bandeira, Maristela e ruas do centro e dos bairros, uns não tão distantes dos outros. Assim foi a Prudente dos seresteiros, que animaram sonhos e deixaram rastros de lembranças inesquecíveis.