A retomada da reforma tributária traz de volta argumentos de alguns tributaristas e economistas que evidenciam um apego fervoroso a princípios de finanças públicas escritos há mais de meio século. Repetem que uma estrutura tributária ideal deve contar com tributos neutros, simples, isonômicos, transparentes e não-cumulativos.
Um exemplo dessa postura foi o artigo “Propostas exóticas”, de Clóvis Panzarini, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 12 de outubro de 2017. O autor avalia que o Imposto Único sobre movimentação financeira é “extremamente simples, mas agressivo a todos os demais princípios”. Em relação à proposta do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), que prevê um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) para substituir cinco tributos incidentes sobre o consumo em um prazo de dez anos ele afirma: “Não tão simples, esse modelo seria neutro, transparente e isonômico”. Quanto ao projeto do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB), que prevê fundamentalmente um IVA e um Imposto Seletivo, sua crítica se concentra no que ele chama de “um oceano de cumulatividade” que o sistema produziria por conta do tributo seletivo.
O posicionamento de Panzarini é favorável à adoção de uma IVA nacional porque ele atenderia princípios antigos, com ênfase na não-cumulatividade e na neutralidade, enquanto que um tributo como o Imposto Único sobre movimentação financeira não o faria, com exceção da simplificação. Vale citar que o mundo idealizado nos livros destoa da realidade. A neutralidade, por exemplo, é uma ficção. Todo tributo impacta sobre os preços. O ponto nesse aspecto diz respeito à escolha de um modelo que causa menor distorção sobre a atividade produtiva. Simulações mostram que o Imposto Único é preferível nesse quesito.
Quanto à suposta não-cumulatividade do IVA cabe esclarecer que para atender esse requisito de modo puro o tributo precisaria contemplar créditos e débitos em todos os setores da produção, sem interrupção. A partir do momento que há quebra dessa cadeia ele se torna cumulativo, como ocorre em várias situações com o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercedorias e Prestação de Serviços), um IVA estadual.
O posicionamento insistente na questão da cumulatividade e da neutralidade de Panzarini, e de outros adeptos do IVA, demonstra que eles não se deram ao trabalho de ler o estudo que realizei e que deu origem ao livro “Bank Transactions: pathway to the single tax ideal”. No capítulo 1, no tópico “Turnover versus Value-Added Taxes: Distortions and Advantages”, concluo que a cumulatividade no processo produtivo não é relevante, uma vez que se dissipa logo nas primeiras etapas de produção e pesa pouco no preço final. No capítulo 2, há simulações mostrando que um IVA causa maior impacto sobre os preços relativos comparativamente a um tributo cumulativo como o Imposto Único sobre a movimentação financeira.
O ex-senador Roberto Campos já dizia nos anos 1990 que o IVA “é um esforço de aperfeiçoamento do obsoleto”. Isso continua válido em nosso país atualmente, porque alguns economistas ainda veem a economia sob a ótica de uma racionalidade, base para a construção de teorias tributárias nos anos 1950, que não existe na prática. O prêmio Nobel de Economia de 2017, Richard Thaler, mostra em seus estudos que os seres humanos não são sempre racionais e que suas ações são baseadas em questões subjetivas e culturais, fatores que muitas vezes pesam mais que a racionalidade. Os adeptos do IVA deveriam se dar ao trabalho de analisar de modo criterioso e sem preconceito o Imposto Único sobre movimentação financeira. Se assim o fizerem verão que, mesmo cumulativo, ele é superior ao IVA.