Basta apurar os sentidos para perceber que há uma nota acima do tom na orquestração da política. Todos os dias, o presidente da República recita substantivos ácidos e adjetivos ferinos para animar suas galeras e atacar adversários. Dos políticos, então, tanto dos bastiões de defesa do governo quanto das hostes de oposição, o tiroteio do palanque virtual não arrefeceu como seria de esperar nesses tempos de encolhimento pandêmico.
A conclusão a que se pode chegar sinaliza para uma sobrecarga de energia acumulada, como se o alvo dos tiros não fosse a danada da Covid-19 e sim os interlocutores e protagonistas que agem nas esferas das nossas instituições. Povoam a paisagem temas como intervenção militar, golpe, impeachment, rebelião social, entre outros. Há de se ter cuidado com a banalização de escopos desse teor.
A retórica de conflitos se impregna de interesse estratégico dos protagonistas eleitorais. O presidente Bolsonaro estica a campanha de 2018 até hoje. Os 30% que o apoiam montam na garupa do azarão. O PT só pensa em voltar ao primeiro plano da cena. Basta ver Lula, condenado em duas instâncias, defendendo agora a primazia do PT na esfera partidária, negando-se a assinar manifestos em favor da democracia ao lado de entidades de renome. Os grandes partidos já apontam alguns nomes como eventuais candidatos em 2022. As médias e pequenas siglas se atrelam a quem, nesse momento, lhes oferece recompensas.
Para acirrar as tensões, enfrenta o país uma das maiores epidemias de sua história. A tragédia se expande na onda de uma reversão da economia, que esvazia o bolso de milhões de pessoas, empobrecendo as classes sociais.
É evidente que, sob esse risco, estariam criadas as condições para a arrebentação da maré política, dando margem a eventos graves na esfera do Congresso Nacional. Portanto, a ideia de impeachment só se fundamenta na base da mobilização social, sendo improvável pensar em afastamento do presidente como ato unilateral do Parlamento.
Da mesma forma, é irrazoável a alternativa de intervenção militar. As Forças Armadas conseguiram firmar imagem de respeito, credibilidade e seriedade. Não topariam entrar numa aventura de tomada do poder na marra. Apenas um minúsculo grupo perfilaria a ideia de um golpe para levar o país ao território do autoritarismo.
Portanto, é conveniente baixar a bola, senhores guerreiros da arena político-institucional. O momento está a exigir que o foco de combate ao novo coronavírus não seja tumultuado por tiros dados ao léu. Quanto aos magistrados, generais e mandatários, a mensagem é esta dos romanos: homo loquax, homo mendax – homem falador é homem mentiroso. Ou acaba se transformando em mentiroso.