Ex-aluna da Escola Municipal João Franco de Godoy (Navio), Silvane Aparecida da Silva, que hoje vive em São Paulo, escreveu uma mensagem de agradecimento a uma de suas antigas professoras, a prudentina Iracema Caobianco, pelo incentivo à leitura. Hoje doutora em História Social, a ex-aluna conseguiu reencontrar a incentivadora, por meio do site deste jornal diário, para demonstrar sua gratidão por todos os ensinamentos, entre os quais está o poder libertador da literatura e que todos podem ser escritores de suas próprias histórias.
Silvane diz acreditar que sua história é uma demonstração da grande importância que a escola pública tem como lugar de transformação e potência para os filhos e filhas da classe trabalhadora. E que o trabalho dos professores precisa ter melhor reconhecimento e ser mais valorizado na sociedade brasileira. Ela destaca que é preciso lutar pela manutenção e garantia de políticas públicas que promovam a emancipação.
“E, CONSIDERANDO O PRINCÍPIO AFRICANO DA DÁDIVA: DAR, RECEBER E RETRIBUIR, PARA MIM ERA MUITO IMPORTANTE QUE A DONA IRACEMA SOUBESSE QUE EU HONREI OS ENSINAMENTOS E A DEDICAÇÃO QUE ELA TEVE COMO PROFESSORA”
Silvane Aparecida da Silva
“Todas as pessoas merecem a oportunidade de realizar as suas capacidades humanas e desenvolver as suas potencialidades e é dever de toda a sociedade promover isso. Existem muitas histórias como a minha por esse Brasil afora. E existem muitas Iracemas. Precisamos valorizá-las. Meu desejo é um só: que essa pandemia passe logo, para que eu possa retornar a Presidente Prudente para visitar a minha família, me reencontrar, pessoalmente, com a professora Iracema e lhe dar um grande e apertado abraço”, deseja a ex-aluna.
Silvane conta que por diversas vezes, tentou encontrar a professora nas redes sociais, porém, não se lembrava do seu sobrenome. No início desse ano, conseguiu localizá-la, curiosamente por meio deste jornal diário, por suas poesias no Espaço Literário.
Sua alegria foi imensa e decidiu homenageá-la contando a ela e todas as pessoas da sua rede, a importância da sua dedicação como professora e incentivadora da leitura, em sua trajetória. O carinho e demonstração de confiança de que os estudantes eram capazes de realizar grandes feitos, como escrever um livro, por exemplo, foi algo de que ela nunca se esqueceu.
“E considerando o princípio africano da dádiva: dar, receber e retribuir, para mim era muito importante que a dona Iracema soubesse que eu honrei os ensinamentos e a dedicação que ela teve como professora. Assim como honrei e honro a dedicação e os ensinamentos da minha vó e da minha mãe, para me fazerem ser a mulher sou”, destaca a ex-aluna.
Silvane passou sua infância e adolescência em Presidente Prudente, de onde saiu para cursar a graduação em História, na Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Assis, no ano 2000 e desde então retorna periodicamente à cidade, para visitar sua família.
Aprendeu a ler aos 6 anos na Escola Municipal João Franco de Godoy, conhecida como Navio. Sua mãe Maria das Graças e a avó Maria Basílio, sempre valorizaram muito a educação escolar. Mesmo com poucas posses, a escola esteve sempre em primeiro lugar na família. Sua mãe nunca permitiu que ela ou suas irmãs Sandra e Ivânia, ou o irmão João Paulo, deixassem de estudar para trabalhar, mesmo que houvesse essa necessidade.
“O estudo sempre foi prioridade. Eu fui babá dos 12 aos 15 anos, mas mesmo trabalhando meu foco principal eram os estudos. Quando terminei a 8ª série [hoje 9º ano], prestei vestibulinho para estudar no Cefam [Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento para o Magistério] e passei em 5º lugar, eram 40 vagas. Esta foi a primeira grande conquista porque no Cefam, além dos professores serem excelentes, recebíamos uma bolsa de estudos, no valor de um salário mínimo, para nos dedicarmos apenas aos estudos”, lembra a doutora em História.
Eu não consigo imaginar a minha vida sem a presença dos livros. Desde quando aprendi a ler, aos 6 anos, eles passaram a ocupar parte importante dos meus dias. A primeira pessoa que me recordo de ver lendo foi a minha vó Maria. Ela só pode estudar por dois anos e lia muito bem. Lia seus livros de reza, de ladainhas, de mistérios gloriosos, dolorosos, gozosos. Quando eu era criança, não havia dinheiro para comprar livros. Então eu tinha apenas os livros escolares e alguns gibis que a minha madrinha me trazia, quando os filhos do patrão dela jogavam fora. Mas a falta de livros próprios nunca foi um problema. Sempre fui frequentadora assídua de bibliotecas. E tudo começou na minha escola Navio. Tive a sorte de ter no meu caminho uma professora amorosa, que cuidava da biblioteca e que nos fazia querer ler sempre mais e mais. Eu era uma das estudantes que mais retirava livros. Me lembro de ficar até tarde da noite, junto com a minha vó, lendo. Ela lia os livros de reza e eu a literatura que emprestava da escola. Li a Coleção Vagalume inteira. Consigo lembrar o prazer que era terminar uma história e começar outra, e depois outra e mais outra. Essa professora, que me ajudou a descobrir o prazer da leitura, se chama D. Iracema. Quando me graduei na universidade, tentei reencontrá-la, porque imaginei que ela ficaria feliz em saber que, aquela menininha que adorava ajudá-la a organizar os livros e era campeã em retiradas de livros, tinha se tornado professora, como ela. Não consegui encontrá-la. Tentei novamente quando me tornei mestre. E depois doutora. Nessas ocasiões, eu sempre me lembrava dela e pensava: eu preciso contar minhas conquistas para D. Iracema. Este ano arrumando minhas caixas, em mais uma mudança, encontrei um livrinho, que eu mesma escrevi, aos 11 anos. E nele a dedicatória é para ela, que promoveu um festival literário na escola com livros escritos pelas/os estudantes. E mais uma vez desejei reencontrá-la. E dessa vez eu a achei! Professora Iracema Caobianco, essa pessoa amorosa que “me ensinou coisas boas”, dentre essas que a literatura é libertadora e que eu posso ser também uma escritora das minhas próprias histórias. Um salve à D. Iracema e aos livros!