Desde sempre o Brasil é definido como o país do futuro. Uma ambição distante, que nunca se concretiza. Por vezes, a sensação é de que andamos para trás, em uma espiral teimosa que nos condena aos males do terceiro-mundismo, ao aprofundamento do fosso entre ricos e pobres, à miséria e à fome crescentes. Mesmo correndo o risco de ser tachado como um otimista incorrigível, estou convencido de que é possível não só dar um basta nesse circuito nefasto como criar condições reais, exequíveis e palpáveis, para transformar o país em uma grande potência.
O primeiro passo é compreender que o mundo passou a girar em torno do eixo ambiental, sob o qual se montam as novas alavancas de desenvolvimento. Por uma razão pragmática: ou cuidamos do planeta, reduzindo poluentes e, consequentemente, desacelerando as mudanças climáticas - que impõem intempéries agudas, engolem terras, arrasam lavouras e provocam mortes -, ou não haverá mais planeta.
Posto isto, as molas de desenvolvimento passaram a impulsionar uma nova definição de commodities, nas quais o Brasil tem liderança, a exemplo das florestas e seus créditos de carbono, ou da produção de energia limpa. Um exemplo é a geração de energia solar do país, que hoje ultrapassa a de Itaipu, e com um potencial de crescimento gigantesco.
Mas a revolução que o eixo ambiental provoca é ainda mais animadora. Ela se expressa em um novo ciclo que passou a ser conhecido como economia circular, na qual a produção de riqueza se dá a partir de três vértices: recuperar, regenerar e reorganizar. Na prática, uma tríade que prevê o reaproveitamento dos bens produzidos, como o que ocorre com latinhas de alumínio e embalagens de papelão, agregando valor a toda cadeia do produto.
Cabe aqui lembrar que liderei, em 2002, a elaboração da lei de resíduos sólidos que só agora, quase 20 anos depois, teve suas metas sacramentadas. Na época, poucos se lixavam para o lixo e quase ninguém o enxergava como produto de transformação capaz de gerar valor e empregos.
Do lixo ao esgoto até a água para beber, lavar, cozinhar. Do botijão de gás a gasolina e o diesel, do preço da cenoura e do tomate… Tudo, absolutamente tudo tem a ver com o meio ambiente. É esse, creio, o nosso maior desafio: demonstrar a conexão do eixo ambiental com o dia a dia das pessoas.
É preciso apresentar exaustivamente, em detalhes, de forma direta e simples, que as chuvas torrenciais cada vez mais frequentes, com vítimas fatais e desabrigo de quem pouco ou quase nada tem, estão diretamente ligadas aos corredores invisíveis desnorteados pelo desmatamento na Amazônia. Que o mesmo ocorre com a seca no Sul do país, cuja ferocidade pesou decisivamente na inflação dos alimentos. Mostrar, sem tergiversação, a interface da saúde (ou da falta dela) - maior preocupação dos brasileiros em dezenas de pesquisas de opinião - com água potável, esgoto coletado e tratado. Que dengue, chikungunya, zica, e até a Covid chegam até nós devido à destruição dos habitats originais desses vetores. Em suma, por desequilíbrios ambientais.
Há de se reconhecer que muito se avançou nos últimos anos - e vale destacar o esforço de várias empresas para serem protagonistas de um ambiente mais saudável. Algo muito além do simples marketing. Não raro, por exigência do consumidor, que passou a observar e exigir que os produtos não carreguem abusos humanos (mão de obra escrava ou infantil), de animais (peles e testes em seres vivos) e do ambiente (áreas desmatadas). Pressões desse tipo são definitivas para impulsionar mudanças mais profundas.
Embora existam divergências sobre como agir diante do que podemos chamar de pandemia ambiental, passamos a experimentar alguns consensos, entre eles a necessidade de se estabelecer um novo contrato social, capaz de atender às novas expectativas e demandas das sociedades. Tratados com precisão, profundidade e grandeza por Minouche Shafik, em seu livro Cuidar uns dos Outros: Um novo contrato social, o tema e sua urgência inspiraram a construção de uma nova agenda ambiental, econômica e social para o Brasil, cujo debate já está em curso.
Por óbvio, cada país fará o pacto que cabe em sua história e em seu povo. Os brasileiros, conforme recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, parecem dispostos a essa mudança. Nada menos do que 94% dos 5.400 respondentes acreditam que a mudança climática está acontecendo, sendo que 91% a atribuem à ação do homem. Mais: afirmam que a questão ambiental nada tem a ver com ideologia - ambiente não é de direita nem de esquerda.
Ou seja, a nova agenda está acima das ideias rasas e da ausência de propostas observadas na disputa extremista.