O recente assassinato de um cliente negro, João Alberto, nas instalações do supermercado Carrefour, em Porto Alegre (RS), novamente traz à tona a necessidade de incremento de medidas que envolvam as empresas em ações para erradicação do racismo e, ao mesmo tempo, que punam, com rigor, a violência contra as pessoas negras.
Um mês antes da morte de João Alberto, a permanência de um “estado de coisas inconvencional” no Brasil foi ressaltada com a mais recente condenação do país, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que em sua decisão apontou o dedo para a ferida aberta da discriminação estrutural, aquela inerente à ordem social, a suas estruturas e a seus mecanismos jurídicos, institucionalizada e que resulta em práticas expõem os mais frágeis a maiores riscos e perigos.
A primeira vez em que a Corte IDH expressamente determinou a responsabilidade internacional de um país, por perpetuar uma situação estrutural histórica de exclusão, foi exatamente numa condenação do Brasil, em 2016, num caso de trabalho escravo com forte entrelaçamento com a questão racial. Novamente, em outubro deste ano, a Corte IDH entendeu que o Brasil falhou com seu dever de assegurar a devida diligência em processos penais e de buscar a determinação da verdade e a persecução, julgamento e eventual punição de todos os responsáveis intelectuais e materiais pelos fatos. Foi no caso da explosão de uma fábrica de fogos, em dezembro de 1998, na cidade de Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano, que matou 64 mulheres, dentre elas 20 crianças, e feriu seis trabalhadoras, todas em situação de vulnerabilidade econômica e social e, na sua amplíssima maioria, negras. 
A tragédia pretérita rememora a atual: negras e negros explorados, discriminados, vitimados por particulares com a conivência, quando menos, da omissão estatal. No caso de 1998, as vítimas eram as mais vulneradas pela realidade brasileira, marcada pela pobreza, desigualdades regionais e restrição de acesso a emprego decente. No assassinato de João Alberto, a discriminação estrutural se expressa numa silenciosa conivência da sociedade e do Estado, em não rechaçar veementemente abordagens discriminatórias e, por vezes, violentas, efetuadas por agentes públicos ou privados, em relação a pessoas negras e pobres, que circulam em espaços de acesso público, como shoppings, lojas ou praças. 
O abismo racial no Brasil também corrói oportunidades futuras. A “perda de chances” da comunidade atingida pela explosão da fábrica de fogos em 1998, que já seria grave em um contexto de reparação concomitante às mortes, foi potencializada pela ausência de respostas adequadas do Brasil por mais de duas décadas. No cenário atual, a cada 23 minutos em nosso país um jovem negro é morto, a diferença de expectativa de vida entre negros e brancos, chega a mais de 20 anos em algumas regiões. São vidas ceifadas pela metade e chances que não se materializam pelo racismo estrutural existente em nossa sociedade.
Respostas efetivas e céleres contra o racismo, tanto das empresas como do Estado, são um caminho para adequação do Brasil ao sistema internacional de direitos humanos e, especialmente, para um futuro mais justo e igualitário em nosso país. 
 

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