Um Bebedouro com Histórias para Contar

Benjamin Resende

COLUNA - Benjamin Resende

Data 06/12/2020
Horário 09:00
Bebedouro no início da Av. Washington Luís
Bebedouro no início da Av. Washington Luís

Até quando? Não sabemos. Encontrá-lo é dirigir-se à estação ferroviária, ao final do primeiro quarteirão da Avenida Washington Luís, no meio das duas pistas. Sua função, desde os primeiros anos de vida da cidade, continua a mesma. Dar de beber aos animais sedentos, atrelados a uma carroça ou a uma charrete. Esta desapareceu de vez. Aquela ainda roda pelas ruas da cidade. São poucas, é verdade, mas estão transportando materiais de construção, pequenas mudanças e entulhos. Continuam úteis, apesar de não fazerem parte do progresso motorizado e acelerado dos famintos de dinheiro e de tempo. Todavia elas fizeram o desenvolvimento de nossos vilarejos, patrimônios e cidades. Carroceiro, carroça e animal eram a trindade unificada. Sob o comando do primeiro, o muar respeitava todas as regras de trânsito. Sabia se comportar nas ruas, com seu trote lento ou apressado. Para o cavalo ou muar, seu lugar benfazejo era o bebedouro. Nas quatro avenidas do quadrilátero central, um bebedouro ficava no centro da encruzilhada de cada uma delas. Famosos eram os da avenida Manoel Goulart, Brasil e Washington Luís. Só restou o desta avenida. É um marco histórico até o dia em que a fúria desenvolvimentista dê o seu brado de “chega de saudosismo”. “O bebedouro da estação ferroviária”, assim diziam os charreteiros, assim o denominam os carroceiros. Estes e aqueles começaram sua vida na lavoura. Depois vieram para a cidade. A desculpa de aqui estarem é para que os filhos estudassem. Uns poucos Bebedouro no início da Av. Washington Luís 58 passaram de carroceiros a comerciantes. Desses, uns três ou quatro se tornaram atacadistas. Isto é, passaram da venda de secos e molhados para vendas ao atacado e, também, ao varejo. É a saga dos Peretti, dos Fernandes e dos Nelli. Há, inclusive, a história de um cearense, que, de carroceiro, passou a vendeiro e, dessa profissão, a jornalista, com seu próprio jornal “O Correio da Sorocabana”, o nosso Gabrielzinho. Quantos charreteiros se tornaram motoristas de praça e senhorios de casa de aluguel! O bebedouro era um ponto de parada. Um local de encontro para o bom dia e o boa tarde. Uma pausa para um palmo de prosa, principalmente sobre como andavam as promessas do governo e as realizações do governo estadual. Enquanto isso o cavalo bebia a água, molhando a fuça e resfolegando satisfeito. Na época do calor, ganhava o animal um balde de água refrescante, que lhe caía no pêlo, para suavizar-lhe o suor e descolar-lhe a poeira. O bebedouro da Washington Luís tem seu destino amarrado com o da estação da Estrada de Ferro Sorocabana. Um passado que não se apaga da memória dos velhos prudentinos. A ferrovia era o único meio de transporte. Os viajantes desciam dos vagões em busca de pensões, hotéis e casas de família. Não faltavam passageiros para a estação rodoviária e os bordéis da Casemiro Dias e Vila Paraíso. A velha estação de ferro, construída de madeira, e a atual, de material, guardavam a sua frente, o pátio repleto de charretes. Uma infinidade delas ali se postava, para transportar levas de passageiros ao destino de cada um. E, antes de fazer ponto no vestíbulo da estação, o eqüino bebia sua água no bebedouro da estação. O charreteiro aguardava o apito do trem e a cidade se preparava para dar boas vindas ao forasteiro. E o bebedouro armazenava histórias. Hoje, solitário e descuidado, embora tombado como patrimônio da cidade, sente-se um estorvo das fortes coisas imediatas, modernas e comerciais; e, mesmo perdido em seu solilóquio, diz, como o poeta de “Mensagem”: “Ah, tudo é símbolo e analogia!”.

 

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