Sou de uma geração que acreditava que iria resolver os problemas do mundo. Quando jovem eu me encantava com a potência revolucionária da dialética e o devir incessante da realidade. Esses tempos de descoberta não ficavam restritos apenas à sala de aula. Dava tempo de participar de tudo: grêmio estudantil, grupos de teatro, manifestações de rua.
Infelizmente, estamos passando o bastão para as novas gerações com problemas muito maiores do que encontramos. Degradação ambiental, crise hídrica, escalada da violência de toda ordem, enfraquecimento dos regimes democráticos e de direitos universais duramente conquistados. Há quem diga que, ao contrário de transformar o mundo em um lugar melhor de viver, produzimos até mesmo um novo tipo de doença mental - o transtorno de acumulação. Somos acumuladores. Temos dificuldade de desfazer de inúmeras quinquilharias que guardamos ao longo da vida: livros nunca lidos, objetos de papelaria, utensílios e equipamentos domésticos, caixas de remédios e eletrônicos que se tornaram sucata, tornando impossível que se ache qualquer coisa no meio de tanta bagunça.
E a desgraça não fica por aí. Foi a minha geração que transformou o acesso à informação num estímulo barato e imediato. Com um simples toque na tela do celular estamos diante de notícias, fofocas, vídeos, detalhes de tudo e de todos. É claro, essa avalanche de informações tem gerado muitos outros problemas. Soterradas pelo acúmulo de informações, muitas pessoas padecem da síndrome do pânico, da angústia, da ansiedade.
Vejo ao meu redor muitos jovens convencidos que aprenderam as nossas lições de sobrevivência nesse mundo maluco. Fomos nós que ensinamos a eles que é preciso vencer a qualquer preço. O resultado pode ser visto no alcance de resultados incríveis no mundo da arte e da ciência, reforçando ainda mais a ideia de que nenhum sacrifício deveria ser considerado excessivo diante da promoção da excelência e dos talentos da nossa juventude. Peraí... Quantos estudantes universitários cometem suicídio após o desenvolvimento de um quadro depressivo, nem tudo são flores. Eles nos lembram que automatizamos a vida e acabamos desatentos para ela. Tragicamente nos lembram que somos mortais e que perder também faz parte. Realizações extraordinárias exigem sacrifícios, é claro. O problema é só valorizar isso. É opressivo.
Tenho buscado outras referências para criticar esse pensamento dominante. A boa notícia é que existem vozes dissonantes. Salve Abdias Nascimento e seu Teatro Experimental do Negro. Salve Muniz Sodré, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro. Eu também agradeço aos jovens que nos dizem que estão disponíveis para trabalhar de forma mais saudável, sem ultrapassar os limites físicos e emocionais. É preciso também se divertir e considerar outros valores além da alta performance, não é mesmo? Cooperação? Respeito? Solidariedade?