Morei na casa do meu inesquecível tio Nerinho e da minha amada tia Nagela por muitos anos quando fui estudar em São Paulo nos anos 70. Considero eles meus segundos pais. Meus primos, Marcelo, Claudio, Lucia e Leda eram adolescentes. Minha tia Nagela me tratava como se fosse seu filho. Meu tio era um cara com um talento artístico raro e minha tia era uma comediante nata. Ele era o nosso diretor artístico. Era médico pediatra. Todos os meus primos ou primas que casaram tiveram a felicidade de ter as músicas compostas por ele contando partes de suas vidas. Era pura emoção. Se não houvesse choradeira geral não valia nada, seria um afronto para ele. Tinha que chorar copiosamente. Era um sarro.
Eu era o cantor oficial das festas e o Marcelo e o Claudio eram os músicos que acompanhavam. Leda e Lúcia faziam os vocais. E assim foram anos de pura emoção. Na "Casa", como a gente carinhosamente chamava, era uma praça da alegria. Era só música e risada. O talento musical do Marcelo e do Claudio me encantava. Eram dois autodidatas. Todos os sambas dos Malacos do Tênis foram composições minha, do Marcelo e o Cláudio participava também. Meu irmão Roy também compôs alguns sambas históricos como “Nega Fulô”. “O Samba Enredo, o Circo” entrou para a história dos Malacos.
Quase enlouqueci quando o tio Nerinho comprou a minha primeira bateria, era uma Pinguim Azul, da cor do céu. Armamos ela na Torre (um lugar no alto da "Casa") que apelidamos com esse nome por causa do filme “O Inferno na Torre”. E realmente era um inferno de tão quente. Devia fazer uns 50 graus na sombra e mesmo assim era o lugar que mais a gente ficava. As pessoas passavam na rua e ouvia o som das músicas e pensavam que era uma escola de música, pois passávamos o dia tocando.
A "Casa" ficava em frente da Avenida Rubem Berta e era em frente ao Aeroporto de Congonhas. Teve um dia que um carioca passou e ouviu o som de música. Tocou a campainha e perguntou se era uma escola de música. Convidamos ele para entrar e ficamos tocando bossa nova com ele na Torre. Era um tempo da inocência. Tudo era motivo para sorrir. Teve até um pianista argentino que sentou no piano e nós pedimos para ele tocar um tango. Para a nossa surpresa, ele fala num tom amargurado e mal humorado: "Não gosto de tango". Não entendemos nada, devia ser um argentino falsificado kkk.
Marcelo toca clarinete, cavaquinho, piano, violão, pandeiro e por aí vai. Claudio toca violão e percussão. Tio Nerinho e tia Nagela participavam de tudo, nunca tolheram a nossa alegria musical. Comecei a namorar a Mulher Maravilha na "Casa" ao som de um samba de Martinho da Vila. Vivi os melhores tempos da minha juventude ao lado dos corações cheios de amor do tio Nerinho, da tia Nagela e dos meus amados primos.
Um dia antes do meu casamento aconteceu o "Pré". Era a festa tradicional da família, onde o tio Nerinho comandava o show dedicado aos noivos. Lógico que chorei quando Marcelo, Claudio, Lúcia e Leda começaram a cantar o samba de Paulinho da Viola com a letra composta pelo Marcelo e pelo Claudio, falando do tempo em que vivi com eles na "Casa". E com esse samba vou me lembrando desse tempo mágico recheado de sonhos, fantasias e alegria:
"Lembra daquele tempo
Em que a vida estava começando pra nós
Tudo o que a gente queria
Sempre conseguia pelo seu exemplo, seu jeito, seu ombro e sua voz"...