Uma cidade passa por fases. A infância de Presidente Prudente foi a década de vinte. A de trinta, a adolescência. Nesta dominava o algodão; naquela, o café. A Estrada de Ferro Sorocabana acompanhou o desenvolvimento e foi batizando seus vagões. Nas duas primeiras décadas, os vagões eram fabricados de madeira, retratando o crepúsculo de uma bela época em que a madeira era farta e barata. Depois, foram substituídos pelos vagões de aço, pintados de verdes, simbolizando o café, o famoso “ouro verde”. A seguir, a brancura do algodão se fazia presente nos vagões de alumínio, batizados de “ouro branco”. Não se viajava longa distância, a não ser pela estrada de ferro. A jardineira, o caminhão fordeco, a baratinha eram veículos para pequenos trechos, formados por estradas tortuosas, esburacadas; lamacentas, com chuva, e, com sol, poeirentas. 1929, o ano de uma supersafra de café coincidiu com a Grande Depressão americana e levou, de roldão, cafezais e armazéns lotados de café. Falência atrás de falência. Gente se mudando, se matando e o café sendo queimado. A vida, porém, continou. Era preciso ganhar dinheiro, enricar. O plantio do algodão substituiu o do café. Levas de nordestinos aportaram na sorocabana. Italianos sitiantes trocaram a rubiácea pelo cotton de exportação. As empresas estrangeiras aqui se instalaram. A Sanbra, a Mac Faden, a Anderson & Clayton e as nacionais, principalmente a IRF Matarazzo. São testemunhas desse tempo Plantação de Algodão CIPA Ltda, na Rua Nilo Peçanha 52 indelével muitos agricultores, compradores e vendedores de café e de algodão. A década de trinta começou agitada. A Revolução de Vargas, a Revolução de 32 e o Nacionalismo ganharam força e se estribaram nas revoluções russas, na Constituição de Weimar e na Carta Del Lavoro. Presidente Prudente participou, com seus cidadãos, de pelotões revolucionários, em trinta e dois. Finda a República dos Coronéis, começou a trajetória do populismo. Aqui, na Sorocabana, todo poder emanava da superprodução do café. Com Getúlio no governo, os cafeicultores passaram a entregar ao Estado trinta por cento de sua produção a preço muito baixo e a pagar um imposto por pé de café que fosse plantado, além de recolher um imposto sobre cada saca de café exportada. Daí a prática para a proteção ao preço do café foi adotada: a queima dos estoques excedentes. O Manoel Libório, comprador de café em Prudente, viveu o sofrimento do pessoal da lavoura e viu fortunas soçobrarem de um ano para outro. O desânimo, com o café, foi geral. A reação foi plantar algodão. De um momento para outro, a paisagem da lavoura foi trocada do verde-escuro dos arbustos para o verde-claro rasteiro do algodão. Agosto era o mês da queima. O céu da cidade e região ficava cinzento de tanta soqueira de algodão queimada, soltando fumaça de quebrada em quebrada. Só as primeiras chuvas de outubro deixavam-no azul-celeste. E a terra limpa e destocada recebia o arado. Um cuidado leonino se fazia necessário com as saúvas, que infestavam pastos, lavouras e hortas. Quando chegava março, a euforia brotava nos semblantes dos agricultores. Convocava-se gente de toda parte, para a apanha de algodão. Fardos avolumavam-se nos galpões e nos terreiros. Os compradores visitavam os sítios. Ofereciam melhor preço do que as máquinas algodoeiras. Começava o transporte do algodão. Caminhões e carroças transitavam por todas as estradas de terra. As ruas de Prudente que levavam às algodoeiras cobriam-se de fiapos de algodão encaroçado. Em 1940, foi a nossa primeira colheita de algodão. Empilhados os fardos no caminhão, foram vendidos à IRF Matarazzo. O prédio, com diversos barracões, de tijolo à vista, empolgava a nossa visão. A rua Quintino Bocaiúva, na Vila Marcondes, ficava tomada de caminhões à espera da balança. Depois de tanta demora, saía o plantador de algodão com o cheque gordo na carteira, fruto de seu trabalho e de muitas horas de insônia, preocupado que ficava com o excesso de sol ou de chuva, com o exército das formigas-cortadeiras, com a falta de pessoal na hora da apanha, com o transporte do produto e a entrega da safra, tudo isso marcando o suor de seu rosto diário. Mas agora não era hora de pensar, e, sim, de deixar, para trás, a Matarazzo, com seu emblema: Fides, Honor, Labor e o sabor de ter vencido mais uma safra. Com o cheque na mão, era só passar no banco do “seu” De More, na mesma Vila Marcondes, e receber uma dinheirama, que seria controlada durante o ano inteiro, para novo ano de lavoura. E, a cada ano, o plantador de algodão punha à prova a sua labuta, pois não bastava plantar e esperar, era preciso extrair da terra o fruto do trabalho, criando alma nova a cada aurora de um novo dia.