Era sábado, dia da brincadeira dançante na Apea. Era assim que minha geração chamava essa gostosa sensação de ouvir os Sombras de Bayarde, Pelé, Antony, Benga, Fininho, Edmilson, Ernane e Serginho (in memoriam). Lá vou eu passar pelo martírio da "touca". No mínimo três horas escondido no quarto escuro para tentar ter os cabelos lisos estilo Ronnie Von. Sabia que era impossível, mas a esperança nunca morre. Ela que move a humanidade desde o seu nascimento. Eu só queria que alguns fios de cabelos duros levantassem dançando soltos com a suavidade dos ventos. Infelizmente nem se viesse o furacão mais poderoso da história do mundo denominado de São Calisto II, conseguiria levantar ao menos um fio de cabelo.
Escondido como um criminoso e às vezes tinha que me esconder debaixo da cama, pois a vergonha era demais. Era coisa de mulher. Esse martírio me fazia perder a primeira seção do Cine Presidente. As gostosas balas de café e de leite, o pudim do carrinho de doces, esconder do seu Alcides, sentar nas confortáveis cadeiras luxuosas do Pullman ficavam na saudade. Era o dia em que eu amaldiçoava Deus: Por que o Senhor não me deu cabelos lisos? Vivia a Divina Comédia de Dante. Depois de passar por esse inferno, ia até o espelho ver como ficou. Ficou uma merda como sempre, um cabelo passado a ferro e fogo. Duro e esticado. Não riem, por favor, até hoje é um trauma para mim. Acho que nem 30 anos de terapia com o Dr. Paulo Roberto Pinto (in memoriam) curaria esse trauma.
Não me transformei num Serial Killer porque Da. Mariana , minha mãe, me mimava demais. Ih, a Maria Célia Macuco vai cair matando, ela sempre diz que fui mimado. Me refugiei num conceito de uma beleza inventada por mim denominada de "A Beleza Egípcia". Eu, Tiago Marcondes e o Demetrio Zacharias somos os legítimos representantes dessa beleza secular que ainda o mundo não descobriu e muito menos valorizou.
O ritual da touca começava às 20h e terminava às 23h. Depois toma-se um banho sem molhar os cabelos, senão vira um cabelo tipo vassoura. Visto uma calça boca de sino, sapato com salto plataforma com placa de metal. O perfume Rastro não podia faltar e nem o desodorante Avanço. Chego mais ou menos quase perto da meia-noite. Gostaria que, no momento do som dos sinos da Catedral anunciando as 12 badaladas, me transformasse no Cinderelo, mas infelizmente estou mais para um lobisomem.
Subo as escadas e escuto a voz lindíssima e rara de Pelézinho cantando “I Started a Joke”. E a Anamaria Rotta sentada na mesa com a beleza de uma Deusa. Vou direto pra minha Thurma. Ihhhh, de novo esse cara. Maria Cristina Miranda Bernardes está dançando com o detestável Marco Junior. Todas as meninas do mundo querem dançar com o John Travolta prudentino. Ah não, a Eliane Souto Ceravolo também tá na parada? Homem que dança bem é f... Vou ter que esperar elas enjoarem de dançar com ele para dançar a última canção. Uma pena que não tinha naquela época o Ricardo Gimenez e nem o Nelio de Paula para ensinar a gente a dançar e acabar com esse reinado do Travolta prudentino.
O pior que a gente pega elas mortas de cansaço. O cara sai rodopiando o salão inteiro, a noite inteira. Fazia fila para dançar com esse desgraçado. Me desculpem, detesto expressões politicamente corretas. Ah esqueci, tinha os galãs como Rodrigo Arteiro o Martelo, Marco Antonio Ceravolo (in memoriam), Nenê Medeiros e Claudio Murad, nossos eternos playboys. Para completar o reinado, o Príncipe Emir Naufal entra com a bela Belica (in memoriam). Os cabelos ruins sofriam né Alceu Macuco. Avisem o Nelito (in memoriam). Me ajudem aí. Vejam vocês.