A transferência de imóvel pelo devedor a filha menor de idade caracteriza fraude à execução, independente de haver execução pendente ou penhora averbada na matrícula imobiliária, e até mesmo prova de má-fé. Assim entendeu a Terceira Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ao dar provimento ao recurso especial de uma empresa que cobrava pelos serviços prestados.
No entendimento da relatora, ministra Nancy Andrighi: “Não há importância em indagar se o descendente conhecia ou não a penhora sobre o imóvel ou se estava ou não de má-fé. Isso porque o destaque é a má-fé do devedor que procura blindar seu patrimônio dentro da própria família mediante a transferência de seus bens para seu descendente, com objetivo de fraudar a execução”, declarou a ministra.
Em comentário a decisão acima para o IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), eu juntamente com a Dra. Priscila Agapito (tabeliã do 29º Cartório de Notas de São Paulo), explicamos as consequências dessa decisão para o direito privado: “A decisão do STJ acerca da transferência de bens para descendentes vem a esboçar como serão os contornos do Princípio da Concentração dos atos na matrícula a partir das alterações da Lei 14.382/2022. Isto porque a literalidade de legislação de regência (Lei 13.097/2015) não diferencia a necessidade de publicidade para prática de atos gratuitos, onerosos ou de acordo com o parentesco”.
Neste sentido, a jurisprudência caminha para adoção do entendimento do direito espanhol (artigo 34 da Lei Hipotecária) sobre o Princípio da Concentração e efeitos do registro imobiliário (Fé pública registral), em que somente é necessária a publicidade prévia de ônus ou gravames para prática de atos onerosos, no que tange os atos gratuitos, independe da publicidade para perseguir o imóvel, aplicando o mesmo entendimento no caso de transação entre parentes.
Qual o impacto desta decisão no cenário atual do Direito das Famílias e das Sucessões? “A partir desta decisão será necessário um olhar de cautela nas ações de família, em especial nas de divórcio e dissolução de união estável. Isto porque é muito comum acordos prévios para viabilizar a partilha consensual, como a doação ou promessa de doação com reserva de usufruto para os filhos comuns. Caso venha ser firmado este entendimento, será necessário continuar analisando as certidões de feitos ajuizados das partes para que não prejudique acordos prévios firmados, independente de existir má fé ou não”.
Aproveito o presente artigo para homenagear o Instituto Brasileiro de Direito de Família que completa seus 25 anos de história, sendo instituição séria e legitimadora de grandes soluções jurídicas em âmbito nacional no que concerne o direito das famílias e sucessões.