Nesta terça-feira, data em que as medidas de restrição de horário e público chegaram ao fim no Estado de São Paulo, a Sociedade Paulista de Infectologia emitiu uma nota em que considera que a abertura deveria ser mais gradual e lenta, face aos riscos representados pela variante Delta do novo coronavírus. A fim de repercutir a situação no oeste paulista, a reportagem conversou com dois infectologistas, que comentaram sobre a decisão do Estado.
A Sociedade Paulista de Infectologia considera que a variante Delta é duas vezes mais transmissível, e que uma pessoa infectada expele até mil vezes mais vírus que aquela com Covid-19 causada por outra linhagem do vírus. No Estado de São Paulo, segundo o órgão, após esforços governamentais conseguiu-se imunizar a população adulta com a primeira dose, porém, esta se mostra insuficiente para proteção contra a variante identificada pela primeira vez na Índia. “Na verdade, mesmo a vacinação completa oferece proteção um pouco menor contra essa variante, quando comparada às demais cepas do vírus”.
O médico infectologista André Luiz Pirajá da Silva destaca que a região tem um número de casos e óbitos relativamente baixos, além de contar uma população bem vacinada, porém, apenas com a primeira dose. No entanto, reforça que, mesmo que o oeste paulista já tenha imunizado acima de 60%, não dá o direito das pessoas esquecerem o isolamento social, o uso de máscara e tão pouco fazer aglomerações.
Ao ser questionado se a flexibilização total das atividades econômicas é precipitada, o médico responde que, sim, e reforça a crítica feita pela Sociedade Paulista de Infectologia ao governo do Estado. Isso porque considera que a dissolução do gabinete de contingência da Covid-19 ocorreu muito cedo, uma vez que a variante Delta está presente e é altamente transmissível.
Pirajá acrescenta que a população mais jovem não está imunizada. “A população jovem, por não estar imunizada e por ser a que mais circula, é capaz de pegar o vírus, às vezes de forma assintomática, e, consequentemente, ter contato com os mais idosos, que são os mais vulneráveis. Então, a gente pode começar a ver o número de casos aumentando, principalmente nessa população que já foi imunizada”.
O infectologista também afirma que o governo deveria esperar mais um pouco, considerando que muitas pessoas ainda estão tomando a primeira dose da vacina contra a Covid-19 e outras só vão receber a segunda no final do ano. Reforça também que estudos têm mostrado que as vacinas são eficazes contra Covid-19 e, que, inclusive, um estudo recente acerca da Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório Chinês Sinovac, mostrou que ela também é eficaz contra a variante Delta. No entanto, que ainda existe a necessidade de que seja feita a segunda dose.
Outro ponto destacado pelo médico infectologista é quanto ao adiantamento de doses da Pfizer ou AstraZeneca com a finalidade de melhorar ou acabar logo a imunização. “A Sociedade Brasileira de Imunologia também recomenda que não seja feita o adiantamento da segunda dose, uma vez que a resposta imunológica mais robusta, mais eficaz se dá quando é feita com um prazo de 12 semanas de intervalo. Então, isso também nos preocupa, embora seja um dado de política social que deve ser levado em consideração”.
O médico infectologista e doutor em imunologia, Luiz Euribel Prestes Carneiro, por sua vez, destaca que com a vacinação de uma parte significativa da população e com o plano de flexibilização, há uma sensação de que a pandemia acabou e que agora tudo pode e tudo é permitido. No entanto, não se trata de uma realidade do dia a dia, pois pacientes infectados com a Covid-19 continuam chegando diariamente aos consultórios, aos centros de triagem e aos hospitais.
Euribel também reforça que é importante lembrar que grande parte dos indivíduos só tomou a primeira dose da vacina, o que confere uma proteção de apenas cerca de 50% contra uma nova infecção. E o que é mais relevante, pacientes vacinados continuam replicando o vírus e espalhando na comunidade. “Nosso grande trunfo em relação à vacina é que quase todos esperam ansiosamente pela imunização e estão sendo vacinados – fenômeno que não acontece nos chamados países ‘ricos’ como Alemanha, França e Estados Unidos, onde cerca de 30% das pessoas não querem ser vacinadas”, detalha. “Vivemos um paradoxo: nos países em desenvolvimento as pessoas querem ser vacinadas, mas não há vacinas; nos países ricos os indivíduos podem escolher o tipo de vacina e não querem ser vacinados”, acrescenta.
Quanto ao anúncio da flexibilização total das atividades econômicas, o doutor em imunologia detalha que a grande dúvida é se o Brasil terá uma repetição do que está acontecendo em países como Estados Unidos e Austrália com o avanço da variante indiana Delta, uma vez que ela é duas vezes mais transmissível, e uma pessoa infectada expele até mil vezes mais vírus que aquela com Covid-19 causada pelo original. Tal variante, inclusive, infecta especialmente os indivíduos não vacinados e os vírus continuam circulando na comunidade.
Euribel também diz que, especialmente infectologistas, intensivistas e pneumologistas foram chamados de “profetas do apocalipse” na questão da Covid-19, e o tempo mostrou que estavam certos na maior parte das previsões. Contudo, acrescenta que, “não é sensato” o que está sendo feito especialmente em São Paulo com o plano de flexibilização. “Vivemos uma insanidade coletiva. Por um lado, um grupo de pessoas que se trancafiam em casa e têm medo de abrir o portão para não se infectar. Por outro lado, a grande maioria ignora a existência da pandemia”.
O médico infectologista e doutor em imunologia também ressalva a nota publicada pela Sociedade Paulista de Infectologia, a qual reitera a necessidade de manter o distanciamento social, evitar aglomerações, manter as áreas arejadas e utilizar rigorosamente máscaras em todos os ambientes coletivos, além de higienizar as mãos após qualquer contato com outras pessoas ou com superfícies. “Se relaxarmos esses comportamentos protetores, corremos o risco de nova onda da Covid-19, com aumento significativo de casos e internações, sobrecarregando mais uma vez nossos serviços de saúde”.
A reportagem procurou pela Secretaria Estadual de Saúde para tratar sobre o tema levantado, mas foi informada de que o assunto foi tratado oficialmente através de pronunciamento do governo do Estado. Nesta quarta-feira, portanto, o governador João Doria (PSDB) apresentou um estudo feito por pesquisadores do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da província de Cantão (Guangdong), na China, que demonstra que a Coronavac evita em 100% o desenvolvimento de casos graves de Covid-19 causados pela variante delta do SARS-CoV-2 e tem eficácia de 69,5% contra pneumonias decorrentes da doença.
Os pesquisadores concluíram que a imunização total com duas doses foi 69,5% eficaz para prevenir pneumonia, um dos desdobramentos mais graves da Covid-19. Além disso, não foram registrados casos críticos entre os vacinados, indicando que os imunizantes analisados têm 100% de eficácia contra o desenvolvimento de casos graves de Covid-19 causados pela variante delta – entre os não vacinados, houve 19 casos graves ou críticos.
O pronunciamento do Estado, portanto, não menciona estudos de outros imunizantes em uso no Brasil.
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