A maioria das histórias de famílias com pessoas com Síndrome de Down ou T21 (Trissomia 21) é bem parecida. Quando recebem a notícia que darão à luz a uma criança com Down, ficam assustadas, um pouco confusas e com medo. As histórias, contudo, também são parecidas em afirmar a alegria e a plenitude trazidas às suas vidas ao enxergarem o ser humano e não a síndrome. Nesta sexta-feira, 21 de março, é comemorado o Dia Internacional da Síndrome de Down e O Imparcial vai mostrar histórias inspiradoras de duas famílias que têm pessoas com esta condição.
Thaiane Ferreira é mãe de João Lucas, de 4 anos, que tem Síndrome de Down. Ela conta que na gestação dele, seu segundo filho, viveu um dos momentos mais intensos e transformadores. “Na ultrassonografia de 13 semanas, percebi que algo estava diferente. O exame demorava mais do que o normal, e o silêncio do médico só aumentava minha ansiedade. Quando perguntei se estava tudo bem, ele desviou o olhar e disse apenas que eu deveria buscar o resultado no dia seguinte”.
Ela conta que saiu da clínica com o coração apertado, chorando, sem entender o que estava acontecendo. “No dia seguinte, ao pegar o exame, o mundo ao meu redor pareceu parar: havia um risco de pré-eclâmpsia para mim, meu bebê tinha uma malformação no coração, possivelmente uma cardiopatia congênita, a translucência nucal alterada e uma grande chance de Trissomia 21, ou outras possíveis condições. O médico que realizou o ultrassom não me explicou nada”.
Quando procurou a obstreta, que a acompanhava há 20 anos, mais uma decepção. “Sua primeira sugestão foi um exame específico, realizado por um médico de confiança, que poderia servir como base para uma interrupção judicial da gestação. Ela mencionou que já havia contatado uma equipe de São Paulo e que, nesses casos, essa era a melhor opção”, contou Thaiane.
Ela e o marido disseram não, sem hesitação. “Mas a médica insistiu e disse que se fosse Síndrome de Down, a expectativa de vida é curta”. Thaiane conta que ficou arrasada, mas que procurou outros médicos que passaram as informações necessárias. “Quando foi confirmado que era T21, senti um misto de alívio e medo. Alívio por saber que meu filho tinha uma chance, mas medo do desconhecido, dos desafios que enfrentaríamos. Aceitamos desde o primeiro momento, mas nossa preocupação maior sempre foi o coração. Aos cinco meses, João Lucas passou por uma cirurgia cardíaca e venceu mais essa batalha”.
Segundo Thaiane, João Lucas tem 4 anos e uma vida cheia de descobertas. Ele estuda numa escola regular - está no pré-I, faz aulas de música, natação, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicopedagogia. “Ele brinca, viaja, tem amigos e é imensamente amado por onde passa. Mas, infelizmente, ainda enfrentamos o preconceito. Muitas pessoas olham para ele e veem apenas a Síndrome de Down. Algumas nos abordam com expressões de pena, como se sua condição fosse um fardo. Outras sequer o enxergam como indivíduo. Mas João Lucas não é "o Down". Ele é João Lucas. Um menino que ama música, fotografia, brincar, e que, entre tantas características, tem Síndrome de Down. Isso não o torna melhor nem pior do que ninguém. Apenas o torna ele mesmo”.
Foi através dessa vivência e da luta diária por inclusão, que Thaiane criou a Trato Treinamentos, que capacita empresas e pessoas para lidarem com diferentes condições com respeito, informação e empatia. “Nós, famílias, já carregamos o peso de ensinar a sociedade o tempo todo. Queremos um mundo onde isso não seja necessário. Um mundo onde nossos filhos sejam reconhecidos pelo que são: indivíduos únicos, cheios de potencial e dignos de respeito. Chega de rótulos, chega de estereótipos. A Síndrome de Down não define ninguém”.
Bianca Godoi da Silva Souza recebeu a notícia de que Sofia, hoje com 2 anos, havia nascido com T21, dois dias após o parto. Ela conta que a pediatra de plantão no hospital, disse de forma ríspida, que a bebê tinha Síndrome de Down. “Eu e meu marido ficamos sem entender, porque não sabíamos, não tínhamos percebido. Mas, o meu processo de aceitação foi tranquilo, eu aceitei supertranquila, diferente do meu marido, que ficou abalado com a notícia e se desesperou. Ele não dormia, não comia, ficava pesquisando sobre o assunto, enquanto nós esperávamos os resultados dos exames para confirmar se ela tinha realmente T21”.
Quando o resultado saiu e confirmou a síndrome, Bianca conta que o marido ficou ainda mais frustrado e com isso o casamento acabou. “Ficamos 1 ano separados, até que ele finalmente conseguiu compreender que as coisas não eram do jeito que ele estava imaginando que seria”.
A mãe diz que Sofia tem uma “agenda supercomprometida”. “Ela vai às terapias todos os dias, é um compromisso fixo. Ela tem uma vida totalmente comum, brinca bastante, ama assistir desenhos, adora banho de mangueira e tudo o que fazemos para estimulá-la”.
Bianca diz que o único impeditivo é o capacitismo da sociedade. “As pessoas com T21 são tão capazes quanto qualquer outra pessoa, e com a Sofia eu consigo ter certeza disso, pois ela só precisa do nosso incentivo e dos nossos estímulos para conseguir alcançar tudo que que almeja”.
A mãe conta que a Sofia tem uma ótima interação com as pessoas. “Eu costumo falar que não sei qual o brilho que ela tem, que encanta todo mundo ao redor dela. É uma coisa instantânea e espontânea. Por onde ela passa, ela interage com todo mundo, brinca, conversa”.
Mas, ainda assim, Bianca diz que percebe a comparação que as pessoas fazem entre a Sofia e crianças da mesma idade, não somente fora de casa, mas com pessoas da própria família. “A Sofia tem uma priminha da mesma idade que ela. E eu como mãe noto essas comparações, mesmo que disfarçadas, das pessoas comentando, que a priminha já fala de tudo, que já come sozinha, entre outras coisas que a Sofia ainda não conseguiu adquirir”.
Fotos: Maurício Delfim Fotografia
João Lucas e a mãe Thaiane
João Lucas com a fonoaudióloga Paula Roberta
Thaiane: “Queremos um mundo onde nossos filhos sejam reconhecidos pelo que são - indivíduos únicos, cheios de potencial e dignos de respeito”
A pequena Sofia de 2 anos
Sofia e a mãe Bianca
Bianca: “As pessoas com T21 são tão capazes quanto qualquer outra pessoa, e com a Sofia eu consigo ter certeza disso, pois ela só precisa do nosso incentivo e dos nossos estímulos”