Serenata

António Montenegro Fiúza

Vestida de gemidos de bordão,
lancinâncias de violino,
na noite parada
vem descendo a seresta.
Sumiu-se a cidade barulhenta
inimiga das crianças e dos poetas.
Uma voz canta sentimentalmente um samba.
Aquele aperto de mão não foi adeus!
Os cavaquinhos desmaiam de puro sentimento,
a cidade morreu lá longe,
e a lua vem surgindo cor de prata.

Serenata, Baltasar Lopes da Silva (excerto)

Dez pequenas ilhas, plantadas no meio do Oceano Atlântico, na encruzilhada dos continentes africano, europeu e americano, descobertas e povoadas pelos navegadores portugueses, em 1460 – as Ilhas de Cabo Verde.
Nascidas de uma miscelânea de povos, dos vários continentes; de entre aqueles que escolheram partir à aventura, dos que foram forçados a aí viverem, dos que encontraram refúgio em período de perseguições nas pérolas do Atlântico, àqueles que, inadvertidamente, foram aí parar e se apaixonaram pela rudez das paisagens, estenderam as suas raízes e alargaram os seus ramos, por gerações e gerações.
De origem tão mista e diversa, como poderia este pequeno arquipélago tornar-se uma Nação, com cultura e identidade próprias. Unidos todos os povos, que aí se fizeram juntar, sob uma e a mesma língua – com a qual, em alguns momentos, ainda se debatiam, que milagre proveria a criação de música, dança e outras manifestações culturais, ainda mais profundas, como a literatura?
Tal qual a essência e a vivência do Caboverdiano, ainda que em terreno árido e hostil, ainda que afastado  de algumas  benesses meteorológicas e geográficas, brotou, viçosa, uma cultura nacional; gêneros e estilos musicais, movimentos literários, teatro e cinema.
Por quatro longos séculos, importou-se a cultura europeia, os seus movimentos artísticos e os próprios temas, aos quais a miscigenação cultural, endémica das ilhas, juntava um pouco de tempero e especiarias; mas, no século 20, surgia uma noção assoberbada da identidade nacional e os escritores decidiram-se a versar sobre a sua própria realidade, sobre as pessoas com quem se cruzavam, dia após dia, sobre o homem comum, a mulher do lado e as crianças que calcorreavam as ruas, com os seus brinquedos e brincadeiras. 
Das mulheres que vendiam nos mercados, os seus achaques e alegrias; das prostitutas exaltadas pelos não poucos marinheiros que assim povoavam as ilhas com crianças ainda mais miscelaneadas; dos homens que teimavam em viver da agricultura e da criação do gado, aos que partiam, derrotados mas esperançosos, em busca de uma vida melhor, em outras paragens.
Nascia o movimento Claridade, pelas ilhas de Cabo Verde, trazendo luz e humanidade a uma vivência pouco lírica, nada poética, mas igualmente bela e digna. 

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