Em Presidente Prudente, a dificuldade no transporte de órgãos começou a impactar a realização de captações e transplantes de córneas na Santa Casa de Misericórdia. Os números evidenciam esta realidade. No primeiro quadrimestre de 2018, o número de captações registrou uma queda de 75% com relação ao mesmo período do ano passado. Enquanto de janeiro a abril de 2017, foram feitos 24 procedimentos, o balanço aponta seis neste ano. Em maio, nenhum foi realizado até o momento (contra oito no quinto mês do ano passado). Já o total de transplantes apresentou um recuo de 57,14%, passando de sete para três procedimentos cirúrgicos no intervalo de tempo destacado. Em maio deste ano, dois conseguiram ser efetuados (ante cinco em 2017), pois a equipe aproveitou uma viagem a trabalho em São Paulo (SP) para retirar os órgãos em Botucatu (SP).
De acordo com o presidente do Banco de Olhos, Irineu Sesti Filho, a expressiva baixa ocorreu porque, desde o começo do ano, a Polícia Militar Rodoviária deixou de transportar as córneas para Prudente e outras cidades da região, o que refletiu, inclusive, na formação de uma fila de espera. Segundo ele, por muito tempo, a santa casa ficou com esta fila zerada, ao passo que, atualmente, 23 pessoas aguardam um transplante.
Irineu explica que a corporação militar não tem a obrigação de fazer o transporte, no entanto, a parceria com o hospital era um trabalho social desenvolvido pelas autoridades há anos. Isso porque, embora haja pessoas aguardando pelo procedimento cirúrgico em Prudente, é de competência do hospital encaminhar as córneas captadas para o OPO (Organização de Procura de Órgãos e Tecidos) de Marília (SP), que fica responsável por fazer a distribuição delas aos pacientes, conforme a fila única do Estado. Ainda que o próximo beneficiado resida em Prudente, os órgãos aqui captados precisam passar por lá antes de retornarem para seu local de origem. Como não há transporte que viabilize esta logística, a santa casa deixou, inclusive, de abordar as famílias de potenciais doadores de córneas por temer não conseguir destinar os órgãos colhidos para Marília.
Considerando que grande parte dos pacientes não possui condições financeiras para sair de Prudente com o objetivo de receber as córneas, a fila de espera começa a crescer. “O ideal é que estes órgãos sejam transportados para cá, pois temos toda a infraestrutura necessária para realizar o procedimento sem que o receptor deixe a cidade”, pondera. Isso coloca uma pedra em um trabalho no qual não deveria haver obstáculos, já que, segundo Irineu, a captação e o transplante de córneas são os procedimentos mais simples e de grande aceitação. “Qualquer pessoa pode ser doadora de córneas. Enquanto para fazer um transplante de rins, é necessário que haja a compatibilidade entre doador e receptor, as córneas não têm essa exigência, a não ser que exista alguma doença que inviabilize o procedimento”, pontua.
Por meio de nota, a Polícia Militar Rodoviária Estadual esclareceu que “não há convênio para transporte de órgãos com o hospital citado pela reportagem. Este tipo de transporte não é realizado por viaturas, pois exige condições sanitárias rígidas, conforme exigências da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e do próprio Conselho Federal de Medicina [CFM].
Procurada, a Secretaria de Saúde do Estado informou que o número de captações de córneas cresceu em Prudente entre 2016 e 2017, indo de 21 captações para 28. No entanto, não trouxe dados a respeito deste ano – no qual foi registrada a queda pelo Banco de Olhos. “Cabe esclarecer que a legislação não determina que cabe ao Estado realizar o transporte de órgãos. Porém, há colaboração de serviços, como o Águia, da Polícia Militar, que auxiliam no processo”, declarou a pasta estadual, acrescentando ainda que no caso específico de Prudente, em virtude da desmobilização da Polícia Rodoviária no apoio ao transporte de córneas da região, a Central está realizando estudos técnicos para viabilizar uma nova alternativa de transporte.