Seguindo um coelho branco, a personagem Alice caiu no País das Maravilhas e viveu intensas experiências oníricas. Recentemente, eu segui um coelho branco e acabei caindo na Biblioteca Municipal Monteiro Lobato e, também, em um inesperado concerto de música clássica.
Era uma manhã chuvosa na cidade da garoa, São Paulo. Eu estava entediado tanto quanto Alice no começo da estória de Lewis Carroll. No meu caso, lia a nova biografia de Soros enquanto aguardava uma trégua na chuva para levar um terno na lavanderia mais próxima. Caía uma fina garoa quando eu, acompanhado por minha mulher, entrei na lavanderia carregando o paletó pendurado no cabide. Estava, agora, em frente ao balcão, quando apareceu “um coelho branco.”
— Com licença, preciso apanhar algumas folhinhas a mais para levar à biblioteca. Eu me afastei um pouco do balcão, assim permitindo que o coelho, na realidade um funcionário público municipal, apanhasse o almejado material.
Curioso, perguntei:
— Você disse biblioteca?
— Sim, trabalho na Biblioteca Monteiro Lobato, respondeu.
Com muita pressa, o funcionário saía da lavanderia quando pedi autorização para acompanhá-lo. Assim, eu segui o “coelho branco” até a biblioteca. A caminhada foi curta, pois estávamos a poucas quadras do nosso destino. Foi assim que entrei pela primeira vez na Biblioteca Municipal Monteiro Lobato, cuja existência desconhecia completamente apesar de passar em frente do prédio inúmeras vezes.
O “coelho branco” mostrou-me parte do acervo doado à biblioteca pela família de Lobato, incluindo roupas, mobílias, documentos e objetos pessoais. Chamaram-me a atenção a escrivaninha, a cadeira, a estante de livros, o jogo de xadrez, o chapéu e o sobretudo. Também pude examinar de perto a caixa de materiais de pintura em aquarela e parte de uma das costelas do autor.
Voltei no sábado seguinte para continuar explorando a biblioteca. Contemplei uma amostra da vasta obra lobatina para crianças, incluindo livros como “Viagem ao Céu”, “Picapau Amarelo”, “Reinações de Narizinho”, “Caçadas de Pedrinho”, “O Poço do Visconde”, entre outros. Na vitrine ao lado, observei algumas adaptações do autor, como “Hans Staden”, “Peter Pan”, “Fábulas” e “Dom Quixote das Crianças”. “Fábulas” foi o primeiro livro completo que li na vida. Lobato também escreveu para adultos. Li com encantamento a ficção científica “O Presidente Negro” por indicação de um grande amigo, Leon Szklarowsky. O legado de Lobato também abarca as traduções de relevantes obras literárias, como “Moby Dick” e “Alice no País das Maravilhas”.
Circulando pela biblioteca deparei-me com a biografia completa de Lobato exposta em grandes painéis. Observei dados como a data de nascimento do autor, 1882, na cidade de Taubaté, a venda da fazenda, a mudança para São Paulo e o período em que foi adido cultural em Nova York. Fui interrompido por outro coelho branco enquanto lia e refletia sobre a publicação de “O Escândalo do Petróleo”, em 1936; a perseguição implacável em virtude de seu nacionalismo até culminar com a prisão, em 1941.
— Já vai começar. Um senhor nos chamava apontando para uma grande porta aberta.
Pensei: Começar o quê?
Segui mais uma vez o coelho branco e entrei num acolhedor auditório. No palco os músicos afinavam os seus instrumentos para o concerto, prestes a iniciar. Sentei-me na primeira fila. Apreciava a música enquanto processava sobre o escândalo do petróleo e a recente notícia sobre a suposta venda de uma jazida de urânio para a China.
Apesar das inúmeras concessões ao Dragão Asiático, pelo que me foi possível apurar através da grande mídia, a reserva vendida não se destina à exploração de urânio. Por outro lado, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados pretende discutir, em audiência pública, a venda desta reserva de minerais estratégicos para a China. De acordo com a lei 14.514/2022, minérios nucleares não podem ser explorados por empresas privadas. Assim, o urânio é nosso.
É interessante perceber como a vida é moldada por estímulos externos e, também, internos, que podemos apelidar de “coelhos brancos”. Todo o tempo estamos seguindo pensamentos, emoções, sentimentos e a influência de outras pessoas. A exemplo de Alice, por vezes temos que dar bons conselhos a nós mesmos. Estou convencido de que podemos chegar a essas conclusões mediante dois caminhos distintos: lendo um livro clássico como “Alice no País das Maravilhas” ou, simplesmente, prestando atenção na experiência cotidiana. O ideal é combinar as duas fontes de leitura.