Se um dia você for embora

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 20/07/2024
Horário 05:00

Todo mundo deve guardar consigo alguns professores que foram especiais em suas vidas, não? Eu poderia enumerar vários exemplos que se tornaram referência do que entendo ser um bom professor. Aguinaldo José Gonçalves foi um deles. 
Aguinaldo foi meu professor de literatura no Colégio Equipe durante a década de 1980. Muitos anos depois nos encontramos em reuniões da Unesp, especialmente na nossa casa editorial. Ele já era professor do Departamento de Estudos Linguísticos e Literários do Ibilce (Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas de São José do Rio Preto). Tinha participado do conselho editorial nos anos iniciais e publicado a edição do seu seminal “Transição e Permanência”, que ganhou o prêmio APCA de 1989. Foi autor de muitas outras obras importantes, como “Miró/João Cabral: da tela ao texto” (Iluminuras, 1989), “Museu movente: o signo da arte em Marcel Proust” (Editora da Unesp, 2004), além do estudo já clássico “Laokoon Revisitado: relações homológicas entre texto e imagem” (Edusp, 1994). Foi também poeta, publicando “Nove degraus para o esquecimento” (Ateliê Editorial, 2017), dentre outras obras.
Mas a imagem que fica é daquele jovem e vivaz professor negro que tinha as aulas de literatura como um laboratório repleto de encantos e desafios. Antes de se tornar um acadêmico que influenciou a crítica literária brasileira, soube envolver nossas almas juvenis em reflexões instigantes sobre a literatura, a utilização de rimas e a musicalidade do som das palavras, a criação e utilização de figuras de linguagem. 
Nunca vou esquecer daquela leitura simultânea de “Iracema”, de José de Alencar, e de “Macunaíma”, de Mário de Andrade. Do importante romance do primeiro período do romantismo, o Prof Aguinaldo explorou a figura de Moacir, fruto do amor entre Iracema (a indígena virgem) e Martim (o explorador português). Com muita ironia que lhe era peculiar, nosso grande mestre nos provocou a comparar Moacir com a figura de Macunaíma (o herói de nossa gente). E partindo do ponto comum entre as obras - o indianismo, sarcasticamente colocou em evidência a nostalgia e o lirismo romântico  em contraponto ao caráter de ruptura modernista da obra de Mário. 
Essa semana o querido mestre Aguinaldo nos deixou. Fica no ar suas últimas palavras como paraninfo da nossa turma do ensino médio. O ano era 1980. Ele lembrou a bela canção “Meu menino”, de Milton Nascimento e nos disse um verso que soa em meus ouvidos até hoje: “Se um dia você for embora, não pense em mim que eu não te quero meu. Eu te quero seu!”
 

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