Saúde mental para quem?

OPINIÃO - Aline Daniele Hoepers

Data 13/09/2024
Horário 04:30

Reduzir o debate sobre cuidado em saúde mental e prevenção ao suicídio a um único mês do ano, por meio de campanhas ou ações pontuais e apartadas da realidade concreta das pessoas, pode produzir, e frequentemente produz, um conjunto de efeitos mantenedores da realidade (im)posta. 
Um primeiro conjunto de efeitos envolve o não desvelamento e enfrentamento das opressões sociais produtoras de sofrimentos, silenciamentos e extermínios de alguns grupos sociais. O colonialismo, o capitalismo, o racismo, o cisheterossexismo, o etnocídio, o capacitismo e outros sistemas de dominação engendram, articuladamente, impactos interseccionais desumanizantes, que não deveriam ser desconsiderados em discussões seriamente implicadas com o cuidado em saúde mental. 
Um segundo conjunto de efeitos, ao primeiro relacionado, coloca em relevo a manutenção das costumeiras análises essencializantes e patologizantes de sofrimento humano, como protótipo universalizável e ajustável, que em nada cooperam para a superação dos reais aspectos que produzem e perpetuam impactos adoecedores, vividos como processos multidimensionais e, portanto, complexos. Logo, sob essas perspectivas, saúde mental não é compreendida como dimensão constituída por múltiplos aspectos sociais, políticos, econômicos, culturais, relacionais e afetivos.
Como desdobramento, vemo-nos diante da conservação da conjuntura social que temos, produtora de sofrimentos e aniquilamentos, a qual alimenta e perpetua, de modo velado ou escancarado, o ideário neoliberal. Esse, amalgamado a outros dispositivos desumanizantes, individualiza, culpabiliza e responsabiliza os sujeitos por seus processos de adoecimentos, além de que cristaliza e essencializa uma solução supostamente única, através de ditames como “faça terapia!” e “valorize sua vida”.
Esses apontamentos nos convocam, enquanto sociedade, à reflexão sobre a necessidade de efetivarmos discussões e ações realmente alicerçadas na garantia e democratização dos direitos humanos e da saúde coletiva rumo a uma ética interseccional do cuidado e da promoção de saúde mental. Sem esse compromisso, haverá saúde mental para quem?  
 

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