É de manhã. Estou tirando um som, uma batida tradicional de um tamborim, na tampa de um pote de geleia de morango da marca Linea Zero Açúcar. Um samba antológico vem acariciar essa manhã tão graciosa. Começo a cantar “Antonico”, samba de autoria de Ismael Silva, um dos fundadores da Escola de Samba Estácio de Sá do Morro de São Carlos, da onde nasceram Gonzaguinha e Luiz Melodia.
Versos poéticos numa melodia lírica com doses de melancolia e um apelo humano para ajudar o Nestor:
"Oh Antonico, vou lhe pedir um favor
Que só depende da sua boa vontade
É necessário uma viração pro Nestor
Que está vivendo em grande dificuldade
Ele está mesmo dançando na corda bamba
Ele é aquele que na escola de samba
Toca cuíca, toca surdo e tamborim
Faça por ele como se fosse por mim
Até muamba já fizeram pro rapaz
Porque no samba ninguém faz o que ele faz
Mas hei de vê-lo muito bem, se Deus quiser
E agradeço pelo que você fizer..."
Fico abismado e agradecido de quanto é rica e diversificada nossa música. Lembro de outro samba de autoria de Caetano e Gil, chamado “Desde que o samba é samba”. Versos realistas e poéticos deslizam nessa bela melodia:
"O samba ainda vai nascer
O samba ainda não chegou
O samba não vai morrer
Veja, o dia ainda não raiou
O samba é o pai do prazer
O samba é o filho da dor
O grande poder transformador...”
Penso nisso tudo e uma verdade bate em meu coração como uma batida de um surdo, como um ronco de uma cuíca num samba de Martinho da Vila:
"O samba é a felicidade
Arranca do peito a canção
A canção leva a saudade
E faz da saudade, paixão
Na vida surge a tristeza
Que o triste resiste a cantar
É fortuna que a pobreza
Passa na vida a esbanjar
Por isso eu canto agora
Comigo cantam vocês
Meu samba chegou a hora
Meu samba chegou sua vez...”
Paulinho da Viola cantou nos versos, “Para ver as meninas”:
"Quem sabe de tudo não fale
Quem não sabe nada se cale
Se for preciso eu repito
Porque hoje eu vou fazer
Ao meu jeito eu vou fazer
Um samba sobre o infinito".
Assim vou vivendo bebendo na fonte de Cartola:
"Bate outra vez/ com esperança o meu coração"...
Paulinho da Viola, Nelson Sargento, Adoniran Barbosa, Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito que escreveu uma das frases mais lindas da nossa MPB:
"Tire seu sorriso do caminho/ que eu quero passar com a minha dor/ hoje pra você eu sou espinho/ espinho não machuca a flor/ eu só errei/ quando juntei minha alma a sua/ o sol não pode viver perto da lua..."
Continuo pensativo lembrando o filme “One Love” sobre a vida de Bobby Marley que faleceu aos 36 anos vítima de melanoma. O Rei do Reggae disse que quando foi perguntado: Você se sente rico? Ele responde com um olhar calmo: "A riqueza não compra a vida". Os Originais do Samba chegou com tudo:
"Pra ser feliz nessa vida é preciso cantar
Canto e desfaço a tristeza que trago no olhar
Sei que há perigo na briga cruel nessa vida
Quanta cilada armada conduz a descida
E quem se esconde na sombra a se lastimar
Vai colher ódio somente por tudo que há
Canto o amor e me esquivo dos males da vida
Zombo de quem só odeia com medo de amar
Canto o amor e me esquivo dos males da vida
Zombo de quem só odeia com medo de amar..."
Vamos nessa!