O Ministério da Saúde anunciou uma estratégia inédita para viabilizar a compra do medicamento Zolgensma, utilizado no tratamento da AME (atrofia muscular espinhal) tipo 1. O acordo inédito de compartilhamento de risco foi assinado na última quinta-feira, com pagamento atrelado ao resultado do Zolgensma. O medicamento, que tem valor milionário, é o mesmo utilizado no tratamento da prudentina Valentina Domingues Brandini, cuja obtenção da dose, com um custo estimado em R$ 12 milhões, foi alcançada em setembro de 2021 após uma intensa campanha que sensibilizou centenas de pessoas e envolveu uma luta incansável da família nos tribunais.
Conforme noticiou este diário, quando a bebê tinha cinco meses de idade, os pais receberam a notícia de que a filha havia sido diagnosticada com atrofia muscular espinhal e que apenas um remédio, o Zolgensma, seria o responsável por trazer de volta à pequena os hábitos que aos poucos são levados: os movimentos, a respiração e a alimentação. O caso ganhou as redes sociais e o coração de inúmeras pessoas, que ajudaram financeiramente e torceram por um final feliz. A Justiça foi favorável à decisão de fornecer a medicação e determinou que a União realizasse o pagamento do remédio. Posteriormente, a Justiça comunicou que o valor de R$ 1,4 milhão arrecadado pela família para o tratamento da bebê, conforme constava de suas redes sociais e informado pelo MPF (Ministério Público Federal), seria abatido do valor pago pelo poder público.
Agora, em 2025, um acordo de compartilhamento de risco baseado em desempenho foi firmado entre o Ministério da Saúde e a empresa fabricante. Isso significa que o pagamento por parte do Ministério da Saúde está condicionado ao resultado da terapia no paciente, que será monitorado por uma equipe especializada. O acordo representa um passo fundamental para fornecer o medicamento de forma totalmente gratuita aos brasileiros que necessitam. Entre os 2,8 milhões de nascidos vivos em 2023, estima-se que 287 tenham AME, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
“Pela primeira vez, o Sistema Único de Saúde vai oferecer essa terapia gênica inovadora para o tratamento dessas crianças. Com isso, o Brasil passa a fazer parte dos seis países a garantirem essa medicação no sistema público. Esse acordo inédito vai transformar a vida dessas famílias”, explica o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
O Zolgensma é a primeira terapia gênica incorporada ao SUS para crianças de até 6 meses de idade que não estejam com a ventilação mecânica invasiva acima de 16 horas por dia. Este é um dos medicamentos mais caros do mundo. Para garantir economia e a sustentabilidade do SUS, o Ministério da Saúde negociou com a Novartis – menor preço lista do mundo. O custo médio do Zolgensma é de R$ 7 milhões.
A AME não tem cura e as terapias existentes tendem a estabilizar a progressão da doença. Antes do SUS ofertar tecnologias para AME tipo 1, crianças com a doença tinham alta probalidade de morte antes dos 2 anos de idade. Com a disponibilização do Zolgensma, o Ministério da Saúde passa a ofertar para AME tipo 1 todas as terapias modificadoras desta doença. O tratamento pode impactar de forma determinante na qualidade de vida dessas crianças, com avanços motores como capacidade de engolir e mastigar, sustentação do tronco e sentar sem apoio.
"Incorporações como a do Zolgensma demonstram a capacidade do SUS de absorver terapias que envolvem alta complexidade. A estratégia inédita de compartilhamento de risco se coloca com alternativa para aquisição de medicamentos de altíssimo custo e cujos resultados requerem mais evidências científicas", aponta a pasta federal.
A partir da próxima semana, os pacientes poderão ser acolhidos e fazer os exames preparatórios nos 28 serviços de referência para tratamento de AME no SUS. O protocolo clínico de diretrizes terapêuticas, que orienta como será feita a assistência desses pacientes, será publicado nos próximos dias. Com a assinatura do acordo, que é totalmente inovador no Brasil e na rede pública de saúde, será instalado um comitê para acompanhamento permanente dos pacientes que farão o uso do medicamento de dose única. Para esta etapa, o Ministério da Saúde, em conjunto com a Novartis, prepara a qualificação das equipes desses centros para a realização da infusão. Todos os casos serão assistidos até que o processo seja concluído – o acompanhamento dos resultados será feito por cinco anos.
Os 28 serviços do SUS referências para a realização da terapia gênica para a atrofia muscular espinhal estão localizados em 18 Estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. No caso da prudentina Valentina, a dose foi aplicada no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
O acordo de compartilhamento de risco prevê o pagamento da terapia da seguinte forma: 40% do preço total, no ato da infusão da terapia; 20%, após 24 meses da infusão, se o paciente atingir controle da nuca; 20%, após 36 meses da infusão, se o paciente alcançar controle de tronco (sentar por, no mínimo, 10 segundos sem apoio); e 20%, após 48 meses da infusão, se houver manutenção dos ganhos motores alcançados. Haverá cancelamento das parcelas se houver óbito ou progressão da doença para ventilação mecânica permanente.
Segundo a pasta, antes e durante a incorporação do medicamento, os pacientes não ficaram desassistidos. Desde 2020, o Ministério da Saúde investiu cerca de R$ 1 bilhão para oferta do Zolgensma, incluindo assistência especializada, cumprindo 161 ações judiciais, segundo dados do DJUD (Departamento de Gestão das Demandas em Judicialização na Saúde).
Aos pacientes fora da faixa etária aprovada para o Zolgensma, o SUS garante dois medicamentos gratuitos na rede pública para os tipos 1 e 2 da AME: nusinersena e risdiplam. Somente em 2024, foram dispensadas mais de 800 prescrições desses medicamentos. Ambos são tratamentos de uso contínuo. "A chegada do Zolgensma, em dose única, representa um grande avanço no tratamento de doenças raras na rede pública. Nas próximas semanas, o Ministério da Saúde vai se reunir com associações de pacientes com atrofia muscular espinhal para ampliar o diálogo e esclarecer dúvidas", pontua a pasta.
No Brasil, doença rara é aquela que atinge menos de 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos e estima-se que existam mais de 5 mil condições. A AME é uma doença rara que interfere na capacidade de produzir uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, responsáveis pelos gestos voluntários vitais simples do corpo, como respirar, engolir e se mover.
Desde 2023, cerca de 34% das tecnologias incorporadas foram para atendimento a pacientes com doenças raras. Hoje, 152 medicamentos são ofertados na rede pública de saúde. Entre 2022 e 2024, mais do que dobrou o número de consultas e exames ambulatoriais de pacientes com doenças raras, passando de 29.806 para 60.298 registros no SUS.