A partir de 2002, com a publicação da lei que institui a Política Nacional de Saúde Mental, hospitais psiquiátricos passaram a ser gradualmente fechados em todo o país para darem lugar à Raps (Rede de Atenção Psicossocial), a qual propõe um modelo de atendimento sem a necessidade de institucionalização dos pacientes. Mesmo com a contrapartida financeira da população, que contribuiu com doações para manter esses locais abertos, a redução de leitos destinados à assistência em saúde mental não deixou de afetar unidades da região de Presidente Prudente.
Tudo começou em 2014, quando o Hospital Psiquiátrico Santa Maria de Pirapozinho interrompeu suas atividades no município. Em 2015, foi a vez do Hospital Psiquiátrico São João, em Prudente, comunicar o fim dos trabalhos. Já em 2016, o anúncio de encerramento foi feito pelo Hospital Psiquiátrico Allan Kardec, também em Prudente. Após três fechamentos consecutivos, a equipe do Hospital Psiquiátrico Adolpho Bezerra de Menezes achou que o mesmo lhe ocorreria em 2017. A instituição, no entanto, superou a crise decorrente da reforma psiquiátrica e mantém as portas abertas na cidade, mas com adaptações.
De acordo com a diretora clínica da unidade, Michelle Medeiros Lima Salione, o hospital continua prestando assistência aos indivíduos que chegam ao local, contudo, segue o tempo de tratamento preconizado pela legislação federal. Segundo ela, a função da instituição é a estabilização do quadro agudo de crise do paciente, que, em seguida, recebe alta e volta a ser acompanhado pela rede básica do município. “O nosso objetivo é muito claro. Até mesmo porque, em virtude da diminuição dos leitos, é preciso ter uma rotatividade muito grande para conseguirmos atender uma média de 45 municípios”, explica.
Desde o início da reforma, o total de atendidos pela equipe multiprofissional da unidade caiu expressivamente. A princípio, eram mais de 400, quantidade que passou a cair progressivamente até chegar ao número atual – 160. Se a instituição preserva a proporção de um funcionário para cada paciente, matematicamente isso significa que o quadro de colaboradores foi desfalcado com a redução de leitos. “O processo de desinstitucionalização foi muito difícil para a equipe técnica, porque tivemos que fazer desligamentos para reduzir despesas”, expõe.
Estigmas
Michelle não se mostra contrária à reforma psiquiátrica, porém, acredita que sua execução poderia ter sido feita de forma diferente. “Ao invés de fechar hospitais, é preciso transformá-los e capacitá-los. Estamos em um município que, teoricamente, dispõe de todos os serviços em níveis primário, secundário e terciário, mas nem todos estão preparados para acolher esses pacientes”, pondera. “Os pacientes que foram desligados daqui em meio a esse processo tinham um vínculo muito grande com a instituição. A vida deles era aqui. Eles recebiam o acompanhamento adequado e faziam passeios fora do hospital. Será que, hoje, continuam tendo a mesma rotina? Já não sei responder”, lamenta.
Além da luta pela sobrevivência, a instituição ainda batalha para vencer o estigma que assombra os hospitais psiquiátricos e recai sobre os pacientes atendidos. “A situação melhorou muito em relação ao passado, mas se levarmos em consideração que, até 2020, conforme projeção da OMS [Organização Mundial da Saúde], a depressão será a doença mais incapacitante do mundo, isso precisa ser mudado”, afirma. “Temos aqui todos os tipos de diagnósticos: depressão, esquizofrenia e tentativas de suicídio, cujos índices aumentam a cada dia por vivermos em um meio social que não leva a sério a saúde mental”, pontua.
Em informe, o Ministério da Saúde defende que a desinstitucionalização de moradores de hospitais psiquiátricos não é sinônimo de fechamento dessas instituições, pois há a necessidade de leitos para internações de pacientes com quadro clínico grave. “A busca da Política de Saúde Mental é qualificar o uso dessa opção de atendimento e garantir a melhoria na assistência hospitalar aos pacientes”, justifica. A reportagem atendeu ao código de ética da instituição e não incluiu neste material qualquer paciente ou familiares, a fim de preservar a identidade dos mesmos.