Hoje eu completo 200 crônicas publicadas no jornal de domingo. Fico me perguntando o que tem me ensinado esta experiência. Escrever uma crônica é uma de olhar para situações cotidianas como se estivesse vendo pela primeira vez. Tive também a oportunidade de revisitar os livros de ficção que já li, como aqueles três livros principais da minha biblioteca imaginária: 1- “O amor nos tempos do cólera”, do escritor colombiano Gabriel García Márquez; 2- “A montanha mágica”, do escritor alemão Thomas Mann; e 3- “Memórias póstumas de Brás Cubas”, do escritor brasileiro Machado de Assis.
Para escrever, também revisitei os meus discos, reorganizando-os na estante por temas e estilos musicais. Como o meu gosto musical é bastante diversificado, agrada-me muito bem os ouvidos esse movimento de mistura de diferentes matrizes musicais: Bossa Nova, rock, mas também o samba. Mantenho guardadas comigo algumas relíquias, como os discos de Milton Nascimento. Clube da Esquina 1 e 2, Travessia, Minas, Geraes, Txaí... e, especialmente, Sentinela!
Como é divertido lembrar, quando criança, das brincadeiras de rua, quando tinha todo o tempo do mundo e vivia em um eterno presente do indicativo, no qual a narrativa discorre quase simultaneamente ao existir. E, agora, esse processo multidimensional de me transformar num sexagenário, quando a memória começa a se reorganizar novamente, percebo que não tenho mais todo o tempo do mundo. E, por isso, sinto a necessidade de ir direto ao ponto, mais essência e sensibilidade. É o tempo dos verbos intransitivos, cujas experiências têm sentido completo e não precisam de nenhuma ajuda adicional.
Escrever as crônicas me coloca, essencialmente, a falar a respeito da minha vida de professor. Dos trabalhos de campo que fiz com meus alunos pelas enseadas, mangues, portos, ilhas, assentamentos rurais, matas e museus. Das conversas com moradores, favelados, pescadores, estivadores, operários, boias-frias. A vida do professor é manter viva a força jovem de quem quer transformar o mundo, que ousa fazer diferente, reinventando-se.
Como você se descreve a si mesmo? Como essa descrição depende do que você conversa com seus amigos, parentes e colegas de trabalho? De que forma essa descrição pode estar relacionada com lugares especiais que marcaram a sua vida? Responder essas questões, certamente nos levará a refletir sobre a nossa condição de classe, de gênero...é o reconhecimento social das nossas diferenças que expressam a nossa identidade. Quem sou eu? Onde estou?