“Lembro de cada vez que fomos parar em uma delegacia, inúmeros boletins de ocorrência. Mas a nossa única proteção do Estado era: “depois ele melhora, voltem para casa!”. Puxões de cabelo, pelo fato de não querer lavar o cabelo; soco no rosto por simplesmente não saber onde ele colocou a chave de casa... Aaah e os xingamentos? Se eu não era “biscate”, eu era “sapatão”, se não era nenhum dos dois, era uma “vagabunda que nunca daria certo na vida”, uma burra que nunca vai conseguir nada! Quando se tem uma infância assim, você perde a fé sabe?”
O relato desta mulher está muito longe de dar a você, amigo leitor, a dimensão da dor de quem sofre violência doméstica, mas torna-se agora também um grito que ecoa no cenário jornalístico prudentino. Um alerta.
Na última sexta-feira, teve início em Presidente Prudente, a gravação da websérie “Elas que Lutam”, resultado de um Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo, na Faculdade de Comunicação Social de Presidente Prudente, da Unoeste. O tema é a violência doméstica e, de fato, precisamos muito falar disso.
As estudantes de Jornalismo, Ariane Balbino, Beatriz Monteiro, Bruna Bonfim, Helen Gallis, Isabela Souza e Milena Bispo são as responsáveis pela produção e edição de cinco episódios, com abordagens jornalísticas que alternam depoimentos de vítimas, especialistas e autoridades, além dos números que compõem esta realidade podre da violência doméstica.
“Elas que Lutam” é uma referência a hashtag “#elasquelutem”, que ficou bem famosa no ano passado nas redes sociais. Mas a brincadeira para por aí, porque o assunto é muito sério.
“Elas que Lutam” é só um recorte, infelizmente, de um cenário muito assustador da violência física, moral, psicológica, patrimonial e sexual contra a mulher em todo país. A Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, foi, talvez, o maior avanço jurídico neste embate, mas está longe de representar um ponto de interrupção nos casos. Mulheres continuam perdendo suas vidas, filhos continuam tendo a infância destruída e o futuro arrasado por conta da ignorância dos homens.
E como se não fosse possível, pasmem, a pandemia da Covid-19 provocou um aumento de casos, resultante da presença dia e noite de homens e mulheres em casa. Segundo números levantados pelo grupo de trabalho desta websérie, até julho de 2020, 710 inquéritos foram abertos na Delegacia da Mulher de Presidente Prudente, referentes à violência doméstica. É quase o número total do ano de 2018, que teve 864, e já é mais da metade de 2019, com 1.292.
Daí, a necessidade de se tocar, sim, neste assunto, e pelas vias de uma comunicação alternativa, independente, jovem e resistente.
Assim que for finalizada, a websérie será disponibilizada gratuitamente nas redes socais e ficará à disposição para grupos, pessoas, escolas e instituições que queiram usá-la para suporte em suas discussões e que seja também um fator de motivação para novas denúncias. Vítimas de violência doméstica precisam saber que não estão sozinhas e, mais que isto, podem estar juntas.
A websérie “Elas que Lutam” tem previsão de lançamento somente em dezembro de 2020, mas já é possível conferir os bastidores da produção pelo Instagram “Elas que Lutam” (@elasquelutam). Por esta rede social, é possível acompanhar o andamento das gravações, ter acesso a depoimentos e também compartilhar histórias.