A primeira vez que Deus falou comigo foi em um domingo pela manhã. Um pouco mais tarde, por volta do meio-dia, eu partiria com alguns amigos do jornal onde trabalhava para uma palestra na cidade de São José do Rio Preto.
Não me disseram bem o que era, apenas que seria muito bom para mim e para minha vida financeira e profissional e, lá na casa dos 20 anos de idade a gente pensa pouco, né? Ou seja, topei ir.
A viagem estava marcada para 11h e naquele dia acordei bem cedo e perto das 8h uma coisa começou a me chamar a atenção. Era uma agonia, um pressentimento, sei lá e de repente estava olhando para um papel na mesa da cozinha com os horários das missas de domingo. Mais: não só olhei como não consegui segurar o impulso de ir até à igreja perto dali e fui.
Missa normal até que em uma das leituras, se não me engano do Evangelho, o tema era ganância. E na sequência o padre entrou forte no sermão.
Era um alerta sobre as promessas de vida fácil, de prosperidade anormal, de dinheiro ganho sem muito esforço. E em algum momento, juro, eu e ele tivemos uma troca de olhares e a frase que saiu de sua boca foi: “Tome cuidado, pecador ganancioso!”.
Mesmo assim saí da igreja sem dar muita bola para isso e na sequência parti junto com o pessoal para Rio Preto. Chegando lá, era um clube, com um salão imenso, meio escuro, com luzes nas laterais que subiam do chão ao teto em uma faixa dourada, muitas cortinas, carpete vermelho, comida e bebida à vontade. Um luxo mesmo e lá na frente tinha um palco, onde 15 minutos depois começou uma das palestras mais eloquentes que já vi!
Era um rapaz de meia idade, cabelos brancos bem aparadinhos, usava colete e gravata, corpo bem “retinho”. Um cara bonito. E mais que isso, como falava bem. Tanto que em pouco menos de 15 minutos eu estava convencido de que minha vida iria mudar naquele dia.
Cada frase dele vinha com uma mensagem coerente no telão, música ajustada, pessoas batendo palma efusivamente, gritando e chegando ao êxtase quando do nada entra no palco um outro rapaz em cima de uma dessas motos gourmet, tipo Harley, estaciona, pega o microfone e conta como conseguiu comprar a possante depois de seguir as orientações que o primeiro havia dado.
Depois disso, música, mais depoimentos de vida próspera, mensagens de superação, palmas, papel dourado picado para cima, gente bonita para tudo que é lado.
Meus amigos estavam convencidos e eu também já estava e duas horas depois nem precisava mais nada até que um senhor ao meu lado virou para mim e disse chorando (é, chorando!) que um milagre tinha acontecido na vida dele: “Há uma semana eu estava com um revólver na mão para tirar minha vida e esses caras me salvaram”. Saiu correndo, subiu no palco e de joelhos gritou: “Obrigado! Obrigado”.
Pronto! Era isso. Onde assino? E logo vieram pessoas que me levaram para uma sala mais reservada e lá uma senhora superelegante me mostrou o contrato e o quanto eu precisaria investir para ter tudo aquilo que vi em pouco menos de dois meses. Mostrou documentos que provariam a licitude do processo todo, cartas de bancos famosos, papéis e mais papéis com rubricas e timbres do governo, tudo!
Bem, queridos leitores e leitoras, quem não daria a eles de mão beijada seu único bem, um carro de meia idade que junto com meus pais ajudei a comprar após faculdade, para levantar capital e investir tudo em uma promessa tão bem-feita?
Pois é, muita gente! Menos eu, que pouco antes de assinar contrato me veio uma imagem e uma frase na cabeça: “Tome cuidado, pecador ganancioso!”.
Meus amigos embarcaram na história e pior, viraram a cara para mim porque não ajudei a melhorar o investimento deles e dois meses depois a manchete nos principais jornais e telejornais do país davam conta da descoberta de um dos maiores esquemas de pirâmide financeira da história brasileira.
Milhões de pessoas lesadas, que perderam quase tudo que tinham em troca de uma promessa. Na verdade, de um golpe. Do dia para noite, nada mais daquele luxo existia.
O que parecia ser perfeito virou pó em questão de segundos, mas para mim, tudo isso virou uma história de fé.