“O momento da leitura é a oportunidade que tenho para me transportar para o mundo fora da prisão”. Esta é afirmação de P.E.C., 28 anos, sentenciado que cumpre pena na Penitenciária Silvio Yoshihiko Hinohara, em Presidente Bernardes. Na unidade prisional, ele é um dos monitores designados a auxiliar os demais reeducandos que participam do Programa de Incentivo à Leitura “Lendo a Liberdade”. O projeto é desenvolvido pela Funap (Fundação Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel) e SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) em parceria com a APL (Academia Paulista de Letras). O objetivo do trabalho vai além da remissão de pena. Como dizia José Saramago: “A leitura é, provavelmente, uma outra maneira de estar em um lugar”.
Na região de Presidente Prudente existem 28 clubes de leitura, espalhados em 19 unidades prisionais que possuem acervo de aproximadamente 1,5 mil livros, doados pelo Instituto Ação Pela Paz. Aos participantes, são oferecidos 56 títulos para que eles escolham em qual universo desejam entrar. “Durante o tempo de um mês, o reeducando precisa finalizar a leitura da obra. Neste período existem três encontros: a escolha do título; a mediação [momento para opinar aos colegas, sem contar o final]; e o terceiro encontro é quando se reúnem para escrever a resenha crítica a respeito do que leu”, explica Camila Cardoso Menotti, gerente regional da Funap. De acordo com a fundação, por mês, há uma média de 400 textos escritos pelos reeducandos.
“Aval do juiz”
Depois de finalizado, todo este material é digitalizado e encaminhado para a correção, trabalho desenvolvido por estudantes universitários da região. Além da análise dos jovens, o material ainda deve passar por um juiz de Direito que avaliará a escrita para dar “o aval” a respeito do que foi escrito. Um texto aprovado pode significar até quatro dias a menos no cárcere. “A atividade desperta no participante o gosto pela leitura, o que também contribuirá ao sentenciado o retorno em sociedade”, salienta Camila.
Everson Gardenal, diretor técnico III da Penitenciária, acredita que o contato com a leitura também contribui para futura ressocialização, algo que já começa a ser observado nos dias em que os rapazes se juntam para debater os temas. “Os participantes são os maiores beneficiados com a atividade, porque faz com que ele desenvolva o hábito da leitura. Desta forma, ele se ocupa e evita ficar muito tempo parado na penitenciária, pensando em outras coisas”, pontua o diretor.
Mudança de hábito
No começo do mês, a reportagem foi convidada a conhecer de perto o trabalho desenvolvido pela Funap, em Presidente Venceslau. Depois de um breve encontro com os responsáveis pelo projeto, a equipe se deslocou pelos corredores com grades e portas automáticas, até chegar ao espaço destinado ao aprendizado dos sentenciados. Foi neste local em que fomos recebidos por Editanes Professor, monitora de educação da Funap, e por um grupo de reeducandos que simulou o terceiro encontro do projeto: o dia da resenha.
Como mencionado no início da reportagem, o P.E.C., 28 anos, vê na leitura o momento para vivenciar “o mundo fora da prisão”. Cabisbaixo, tentando esconder a timidez, afirma que procura passar aos alunos a diferença entre ler e interpretar o conto, “mesmo que a leitura esteja ruim”. Entre os monitores, R.M.D.S., 36 anos, busca transmitir a experiência de vida como incentivo aos colegas. Isso porque, por detrás das grades, tem um passado de reconhecimento quando contribuiu como colaborador em uma coletânea de poesias, publicada nacionalmente.
“Estou vendo de trazer o livro e mostrar aos participantes. Acredito que eles vão se sentir motivados”, explica. E são práticas de incentivo que serviram para que M.B.P., 37 anos, adquirisse o hábito pela leitura na prisão. “Agrega muito valor na vida da gente, é um sentimento de satisfação fazer parte deste projeto”, afirma o reeducando.
ROBERTO KAWASAKI
Da Reportagem Local
O Programa de Incentivo à Leitura “Lendo a Liberdade”, desenvolvido pela Funap (Fundação Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel) e SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) em parceria com a APL (Academia Paulista de Letras), também possibilita que aproximadamente 80 estudantes universitários da região de Presidente Prudente coloquem em prática a futura profissão, seja ela do Direito ou Pedagogia. Conforme a Funap, depois que a resenha crítica é desenvolvida pelos presos, os textos são encaminhados para que os alunos das faculdades façam as devidas análises antes da verificação do Judiciário que concederá ou não a remissão de até quatro dias na pena imposta.
Não bastam compreender a caligrafia ou os sentimentos marcados entre as linhas que mostrarão ou não houve leitura do livro. É preciso que o universitário tenha o conhecimento da obra que irá analisar. No projeto desenvolvido na região, a parceria é feita com quatro faculdades do Grupo Reges (Rede Gonzaga de Ensino Superior), sendo três delas do curso de Pedagogia das cidades de Junqueirópolis, Osvaldo Cruz e Tupi Paulista, bem como o curso de Direito, de Dracena. Gláucia Elaine Costa, diretora da Faculdade de Junqueirópolis e coordenadora de projetos da Faculdade Reges, acredita que o trabalho voluntário contribui para aprimorar o conhecimento dos futuros profissionais que estão em formação.
“Os alunos que atuarão na área judiciária não têm ideia de como é a vida no sistema prisional. Quando eles recebem os textos, conseguem analisar como é a realidade de quem o escreveu e aumentar o vínculo com o futuro ambiente de trabalho”, argumenta a diretora. Conforme Gláucia, para compor os grupos foi necessário um processo seletivo. “O trabalho garante horas para complementar a grade curricular, mas muitos acabam ficando até mais que o tempo necessário por gostarem do projeto”, analisa.
Lado de dentro
Em visita à Penitenciária Silvio Yoshihiko Hinohara, em Presidente Bernardes, três colegas do curso de Direito do Grupo Reges puderam acompanhar o momento que antecede o envio das resenhas. Marcella Machado, 24 anos, analisa a iniciativa “com bons olhos” e diz gostar de fazer parte do projeto. “Geralmente, acabo deixando de lado a análise profunda como erros de concordância, por exemplo. O importante é saber se a pessoa realmente leu o livro”, explica.
Por meio da análise, a estudante Nataly Tobias da Silva, 20 anos, observa que os reeducandos acabam colocando informações a mais na resenha, muitas vezes, reflexo da vida fora da prisão. Para a universitária Júlia Faraco, 20 anos, mesmo que o sentenciado não esteja gostando do livro, acaba produzindo a resenha com o conhecimento adquirido. “[Nas entrelinhas], observo o desabafo. E é muito gratificante saber que estamos contribuindo para a ressocialização do participante”, salienta.