Programa de conservação do mico-leão-preto na região faz 40 anos com translocação em andamento

Indivíduos da espécie são levados para fragmento florestal em área de reserva legal, com objetivo de aumentar chances da população local continuar existindo a longo prazo

REGIÃO - DA REDAÇÃO

Data 22/09/2024
Horário 04:00
Foto: Lucas Leoni
Maior população de micos-leões-pretos está na região do Pontal do Paranapanema
Maior população de micos-leões-pretos está na região do Pontal do Paranapanema

Trinta quilômetros separam a principal população de micos-leões-pretos (Leontopithecus chrysopygus), com estimativa de 1,2 mil indivíduos, no Parque Estadual do Morro do Diabo, em Teodoro Sampaio, do novo endereço para cinco deles, um fragmento florestal em área de reserva legal, também na região do Pontal do Paranapanema. O objetivo? Aumentar as chances de a população local do fragmento florestal, com menos de 20 indivíduos, continuar existindo no médio e longo prazo.

“Escolhemos a população do fragmento como alvo de nossa ação, porque ela apresenta sérios riscos de se extinguir nos próximos 10 ou 20 anos, por conta de seu tamanho reduzido e da baixa variedade genética. Suplementando essa população, levando mais micos para lá, ganhamos tempo para, a partir da restauração de corredores florestais, conseguirmos a conectividade funcional com outras áreas de floresta da região, o que pode levar de 20 a 30 anos. Já temos observado declínio nessa população e precisávamos agir com urgência para evitar essa extinção local”, revela Gabriela Rezende, coordenadora do Programa de Conservação do Mico-leão-preto, do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) .

Pesquisadores do Programa de Conservação do Mico-leão-preto estavam monitorando o grupo com cinco micos do parque desde abril de 2023. Em janeiro deste ano, a equipe capturou, identificou os micos com microchips e realizou, na mesma manhã, a soltura na nova área. “Optamos por realizar a ação na época do ano com maior disponibilidade de frutos, entre dezembro e fevereiro, o que aumenta as chances de adaptação e sobrevivência dos micos na nova área. Também escolhemos um grupo onde havia indivíduos subadultos, pois são animais em idade de dispersão. São esses indivíduos que irão garantir o aumento da variabilidade genética da população, a partir da formação de novos grupos com animais do local”, explica Daniel Felippi, veterinário do programa que completa 40 anos em 2024.

A retirada de um grupo levado para outra área é conhecida como translocação. A iniciativa tem sido acompanhada de perto também por profissionais do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e da Fundação Florestal, gestora do parque, que participaram de todas as fases desde o planejamento, emissão das autorizações e atualizações. A ação também conta com a chancela do Grupo de Assessoramento Técnico do PAN PPMA (Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Primatas da Mata Atlântica e da Preguiça-de-coleira).

Durante a oficina para o desenvolvimento do programa de manejo populacional da espécie, em 2023, um grupo de acompanhamento foi estabelecido a partir dos presentes e das representatividades necessárias. Gabriela Rezende assumiu também essa coordenação. O programa foi publicado no mesmo ano pelo ICMBio.

Manejo de populações

Os micos que estão em novo endereço desde janeiro participam da sexta translocação realizada pelo Programa de Conservação do Mico-leão-preto. A primeira ocorreu em 1995 e outras quatro seguiram ocorrendo até 2008. Na época, essas ações de manejo, juntas, movimentaram 22 micos-leões-pretos para a Fazenda Mosquito (Pontal do Paranapanema), em um fragmento onde a espécie não estava mais presente. “Alguns micos vieram da Fazenda Rio Claro, em Lençóis Paulista [SP], e outros de fragmentos que foram desmatados na região de Buri [SP]. O IPÊ acompanha esses micos na Mosquito desde então e sabemos que essa nova população conseguiu se estabelecer e permanecer na área. Estamos planejando realizar um censo para avaliar se essa população já é viável e autossustentável ou se precisamos de mais translocações para garantir sua existência no longo prazo”, conta Gabriela Rezende.

Dados do monitoramento dessa translocação recente em área de reserva legal da Fazenda San Maria, no Pontal, mostram que dois dos cinco micos permanecem juntos, um deles é a fêmea subadulta que carrega o rádio-colar usado no monitoramento. “Não é possível afirmar se a redução do grupo foi em decorrência de morte ou emigração, sendo ambas as causas plausíveis, considerando que o grupo era composto por indivíduos subadultos, em fase de dispersão. Estão em andamento tentativas de recaptura do grupo para avaliar a condição de saúde dos animais e identificar quais indivíduos ainda fazem parte do grupo”, revela a pesquisadora. 

Gabriela destaca que, apesar de todos os desafios, a translocação é a ferramenta mais vantajosa para populações em risco em decorrência do baixo fluxo gênico. “As principais ações que contribuíram para salvar o mico-leão-preto da extinção incluíram o manejo de populações, feito através de movimentações de micos-leões de um fragmento a outro onde a espécie não era mais encontrada. Isso resultou no estabelecimento de uma nova população. O manejo de populações é uma estratégia de curto prazo que deve ser trabalhada junto com o manejo do hábitat – a restauração”, completa a coordenadora do programa.

Contenção de incêndios

Os focos de incêndio que assolam o país este ano também foram registrados, em junho, na área de reserva legal onde os micos foram soltos. A área em questão conta com monitoramento do projeto Corredores de Vida, do IPÊ, em tempo real por satélite para prevenção e contenção de incêndios florestais (software Pantera, Umgrauemeio).  “Sem dúvida, foi um susto, mas sabemos que os micos estão bem. O foco de calor gerou uma notificação de alerta imediata, o que possibilitou acionarmos as brigadas locais integrantes do Pame [Plano de Auxílio Mútuo Emergencial]. A ação conjunta e coordenada das organizações do Pame garantiu um rápido controle do fogo, evitando a propagação da queimada na vegetação. Assim, somente dois hectares na borda do fragmento foram afetados”, explica Gabriela Rezende.

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