Produtores culturais apontam supostas irregularidades na condução da Lei Paulo Gustavo em PP

Denúncia encaminhada ao MPF e MinC indica cobrança indevida de impostos aos selecionados como Pessoa Física, desrespeito das cotas e falta de transparência no direcionamento dos recursos

VARIEDADES - CAIO GERVAZONI

Data 20/01/2024
Horário 12:20
Foto: Divulgação
Em dezembro passado, Lei Complementar 202/23 prorrogou o uso dos recursos da lei de incentivo à cultura para até dezembro de 2024
Em dezembro passado, Lei Complementar 202/23 prorrogou o uso dos recursos da lei de incentivo à cultura para até dezembro de 2024

Produtores culturais que tiveram projetos aprovados na seleção da LPG (Lei Paulo Gustavo) em Presidente Prudente encaminharam, no começo desta semana, uma denúncia ao MPF (Ministério Público Federal) e ao MinC (Ministério da Cultura) apontando supostas irregularidades da Prefeitura de Presidente Prudente, por meio da Secult (Secretaria Municipal de Cultura), na condução da lei nacional de fomento cultural no município.

A reportagem de O Imparcial teve acesso ao conteúdo da denúncia, protocolada junto ao MPF na segunda-feira, e também conversou com agentes culturais, que aguardam o processo de execução dos projetos selecionados por meio da LPG no município.

A denúncia versa sobre o questionamento a respeito de três eixos problemáticos na condução da Lei Paulo Gustavo em Presidente Prudente, são eles: a cobrança indevida de impostos aos selecionados como PF (Pessoa Física), desrespeito em relação às cotas e a falta de transparência no direcionamento dos recursos.

1º EIXO: A COBRANÇA INDEVIDA DE IMPOSTOS

A situação mais controversa da denúncia envolve a Prefeitura, através da Sefin (Secretaria Municipal de Finanças) e da Secult, que estaria impondo cobranças “abusivas e surreais” de impostos para os projetos selecionados, chegando a aproximadamente 35% do total de cada projeto aprovado pelo município.

De acordo com o documento, a emissão de nota fiscal com descontos, não prevista nos editais, é motivo de controvérsia e teria levado proponentes selecionados como Pessoa Física a abrir cadastro de profissional autônomo, acarretando em mais custos para os projetos selecionados.

A denúncia também destaca “coação e ameaças”, evidenciadas em áudios enviados por um funcionário responsável pela instrução dos proponentes no processo de emissão de notas fiscais através de um grupo criado no WhatsApp para tal orientação.

Conforme consta na denúncia, após o questionamento dos proponentes, o secretário de Cultura do município, Yuri Reis, teve uma reunião com o prefeito Ed Thomas, que chegou a dar um passo atrás na decisão por um momento, mas em seguida manteve a decisão pela cobrança dos impostos, alegando que essa é uma “regra” do município e defendida pelos setores de Tributação e Jurídico da administração pública.

“UM ABSURDO”

Em entrevista ao O Imparcial, a produtora cultural Nelma Mello, que teve dois projetos aprovados na LPG em Prudente – um como PF e outro como PJ (Pessoa Jurídica) - ressalta que a lei é voltada ao fomento cultural e questiona a Prefeitura sobre a imposição de impostos. “É um absurdo o que o prefeito [Ed Thomas] está fazendo com a gente. A LPG é uma lei federal de fomento cultural. Nunca soube em lugar nenhum que uma lei municipal supera uma lei federal. O prefeito está cobrando nota fiscal da gente, com toda a arrecadação de impostos. Ele teria que depositar em nossa conta para assim prestarmos conta do valor recebido”, pontua a Nelma.

“O que nós temos a ver que a Prefeitura está devendo? Se ela está sem dinheiro, ela vai tirar dinheiro de artista? Somos uma classe, que na pandemia, foi o primeiro grupo de profissionais a sair do mercado e foi o último a voltar a trabalhar. Nós não temos que estar cobrindo gastos que não são nossos. Esse dinheiro é pra vir na íntegra pra gente”, realça a produtora cultural.

Conforme apuração de O Imparcial, ao menos dez produtores culturais selecionados como PF irão entrar nos próximos dias com um mandado de segurança para frear a cobrança de impostos por parte da Prefeitura.

“DEZENAS DE PROJETOS ESTÃO PREJUDICADOS”

Para o agente cultural, Renato de Jesus, a decisão da Prefeitura contraria a própria Lei Paulo Gustavo, pareceres do Ministério da Cultura e até da Advocacia Geral da União. “A prefeitura de Presidente Prudente decidiu descontar dos projetos de pessoa física, como é meu caso, quase 40% de encargos e tributos. Quando a lei é de fomento, não incide encargos”.

Segundo Renato, o desconto de impostos imposto pelo município irá inviabilizar que cada projeto seja realizado conforme o orçamento encaminhado na inscrição e aprovado pela própria Secretaria Municipal de Cultura. “O estranho é que os recursos não são da Prefeitura, mas sim recursos federais administrados pela Lei Paulo Gustavo. Dezenas de projetos estão prejudicados”, pontua.

Renato de Jesus também relata que o gestor da Secult, Yuri Reis, estaria de acordo com os questionamentos dos produtores culturais. “Mas a Sefin não abre mão dos encargos”, complementa.

2º EIXO: DESRESPEITO ÀS COTAS

Conforme a denúncia protocolada ao MPF, o outro eixo da problemática relacionado às supostas irregularidades na condução da LPG em Presidente Prudente está vinculado ao desrespeito às cotas raciais para pessoas pretas, pardas e indígenas. O edital indicava a obrigação de reservar 20% para esses grupos, mas, segundo a denúncia, essa determinação foi completamente ignorada, sendo que a indicação teria ocorrido abaixo do percentual indicado.

Para o agente cultural André Aoki, a questão fica exposta no processo de seleção do edital de Audiovisual, nas produção de média-metragem. “Das oito vagas oferecidas, duas vagas foram selecionadas na aplicação de cotas, sendo essas de cotistas que entraram como cota de gênero/mulher. Ocorre que, entre os suplentes selecionados, há dois cotistas raciais/pessoa preta ou parda que, apesar de terem notas menores que as cotistas de gênero, deveriam ser prioridade na seleção de acordo com as regras específicas sobre cotas que constam na Lei Paulo Gustavo”.

Segundo a seleção a que André se refere, a disposição posta na divulgação da LPG pontua que “é importante ressaltar que já é garantida as cotas com reserva de vagas para os projetos e ações nas seleções públicas, com o mínimo de 20% para pessoas negras e no mínimo 10% para pessoas indígenas”.

“As duas vagas para cotas do edital de média-metragem foram para cotistas mulheres, com notas maiores na suplência, e nenhuma vaga para as pessoas pretas e pardas, não obedecendo a obrigatoriedade da reserva de vagas para pessoas negras”, indica Aoki, que complementa: “o edital de média-metragem é o de maior valor disponibilizado, sendo R$ 80 mil para cada projeto”, pontua o produtor cultural.

Aoki ressalta que “as cotas raciais existem como uma forma de correção de uma injustiça social-histórica, de dificuldade de acesso ao conhecimento e ao trabalho”. Sobre o suposto desrespeitos às costas, Aoki conta que protocolou denúncia para o MPE (Ministério Público Estadual), MPF e MinC e também para imprensa local.

3º EIXO: FALTA DE TRANSPARÊNCIA

NA CONDUÇÃO DOS RECURSOS

Conforme informações disponibilizadas no site do Governo Federal a respeito dos recursos da LPG destinados a cada município do país, Presidente Prudente recebeu um valor total de R$ 1.853.904,15, que seria redistribuído da seguinte maneira:

• R$ 982.198,42 para “Produções Audiovisuais”; R$ 224.507,79 para “Apoio a reformas, a restauro e manutenção e a funcionamento de salas de cinema”; R$ 112.717,37 para “Capacitação e formação”; R$ 534.480,57 para “Demais Áreas”. Desse montante, até 5% ou seja, cerca de R$ 93 mil poderia ser usado para a operacionalização do Edital.

No entanto, de acordo com as informações dos editais publicados pela Secult, e conforme consta na denúncia, os valores ficaram distribuídos assim:

• R$ 1.159.423,58 para o edital de Audiovisual na seleção de até 35 ações, divididas em: média-metragens, curtas-metragens, videoartes, videoclipes, jogos eletrônicos, cinema itinerante, mostra de cinema e ações formativas.

• R$ 534.480,57 para o edital das Demais Áreas, com até 46 ações culturais e artísticas nos segmentos da música, teatro e circo, dança, artes visuais, literatura, patrimônio cultural, artesanato e cidadania cultural

• Ambas divulgações totalizaram o valor de R$ 1.693.904,15, uma diferença de R$ 160 mil em relação ao montante de R$ 1.853.904,15 destinado pelo Governo Federal.

De acordo com as atas de Resultado Final Artístico, o edital do Audiovisual utilizou um total de R$ 1.016.971,26, deixando um saldo remanescente de R$ 72.253,90. Da mesma forma, o edital das Demais Áreas gastou R$ 530 mil, com um saldo remanescente de R$ 4.480,57. No entanto, a denúncia destaca que, apesar desse montante, cerca de R$ 70 mil teriam sido destinados à operacionalização dos editais, porém, diversos projetos ficaram como suplentes e poderiam ter sido selecionados com o saldo remanescente, o que não aconteceu até o momento.

Por fim, o conteúdo posto na denúncia ressalta a falta de clareza sobre o destino dos R$ 160 mil, diferença entre o montante repassado ao município e o total usado nos editais, e destaca a necessidade de uma investigação a respeito da destinação dos valores.

A LEI PAULO GUSTAVO

A LPG foi aprovada pelo Congresso Nacional como Lei Complementar nº 195, em 8 de julho de 2022, e dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas em decorrência dos efeitos econômicos e sociais da pandemia da Covid-19. Em dezembro passado, a Lei Complementar 202/23 prorrogou, até dezembro de 2024, o uso dos recursos da lei de incentivo à cultura.

Em Presidente Prudente, a divulgação do resultado dos projetos habilitados e inabilitados nos segmentos de Audiovisual e Demais Areas para a Lei Paulo Gustavo aconteceu no dia 24 de outubro de 2023.

Leia mais:

Prefeitura diz que rechaça de forma veemente denúncia sobre direcionamento da LPG 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Publicidade

Veja também