Prelúdios

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 22/09/2024
Horário 04:30

Estou escrevendo a crônica quando a chuva chega suave na janela. Veio para ficar a noite toda com aquele ruído dos pingos d’água em ritmo constante. Logo me aparece aos ouvidos Chopin e seu famoso Prelúdio Opus 28 número 15 em Ré Bemol Menor ou simplesmente “Pingo da chuva”, uma das peças mais emblemáticas do compositor polonês. Ali Chopin utiliza algumas notas repetitivas que mimetizam a chuva caindo nas partes de baixo da partitura, em combinação com o melodismo das vozes do alto, o que confere à música uma fluidez incessante. 
Esse “efeito de chuva” não é meramente uma alusão superficial, mas apresenta-se profundamente enraizado na experiência emocional da peça que modula numa segunda parte numa série de notas rápidas que cria um clima mais dramático e agitado, como uma tempestade. Ao retornar à tonalidade inicial, a música se reequilibra, numa espécie de resolução emocional, onde a melodia flui suavemente, evocando uma aceitação tranquila da experiência vivida,  quase como um sussurro... simplesmente lindo! 
Bem, os pingos da chuva persistem na minha janela e um sentimento nostálgico invade meu coração. Lembro-me das aulas de história da música, onde os prelúdios ocupavam um lugar especial. Sei que eles surgiram, como forma musical, durante a época barroca (aproximadamente entre os séculos XVII e XVIII) e se tornaram uma parte significativa da música clássica. Inicialmente, o prelúdio era uma peça curta e improvisada, tipicamente tocada no início de uma performance para estabelecer a tonalidade. Mas compositores como Bach, Chopin e depois Debussy transformaram o prelúdio numa forma mais estruturada, não só como um exercício técnico, mas também como um veículo para a exploração musical e emocional. São peças curtas (algumas não passam de dois minutos!) que tornaram-se um espaço de liberdade criativa, onde os compositores puderam experimentar novas ideias, harmonias e estruturas, como um meio de se expressarem de forma mais direta. 
Essas características dos prelúdios me fazem lembrar da experiência de escrita das crônicas dominicais. São textos curtos e mais informais, um momento de associação livre das nuances da vida como ela é. Por falar em associação livre, do “Pingo da chuva” de Chopin, embarquei nas “Águas de março” de Tom Jobim, onde o fluxo contínuo das palavras também deslizam sobre uma base rítmica bastante regular e simétrica. A simplicidade melódica, construída basicamente com duas notas, guarda alguma influência de Chopin, não? Mas aí são outras águas, as águas de março, fechando o verão. 
 

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