Fui desafiado a escrever uma carta endereçada a mim mesmo para ser lida daqui dez anos. Diante do computador busquei a minha relação com o tempo nas crônicas que escrevo no jornal de domingo. Essa tem sido uma experiência intergeracional. Eu converso muito com a criança e o jovem quem fui. Dialogo também com as juventudes que estão por aí, principalmente na sala de aula. Tenho pensado bastante no meu processo de transformação em um homem sexagenário. Mas eu preciso olhar agora para o futuro.
Já escrevi sobre o ato de memorializar. Gosto da maneira como a professora Marilena Chauí compreende a memória. Para ela, o ato de memorializar é um trabalho que realizamos no decorrer da vida. Especialmente os mais velhos são grandes memorialistas porque conseguem olhar para o tempo de suas vidas numa perspectiva histórica. Fatos marcantes vividos podem ser ressignificados tendo em vista os rumos da história. Eles são verdadeiros guardiões da memória coletiva. Estamos constantemente recontando as nossas histórias. O que será que eu vou achar do que escrevo agora?
Certamente, eu já vivi mais da metade da minha vida... Haveria mais o que criar, aprender, reinventar? Estou certo que sim, especialmente porque o trabalho do professor exige o diálogo permanente com as juventudes, fundado na necessária abertura ao outro. É uma reflexão coletivamente partilhada dos sonhos possíveis. Talvez seja isso que eu possa dizer a mim mesmo no futuro. Tenho certeza que no tempo que me resta da vida, estarei sempre enfrentando as chamadas “situações-limite” - aqueles obstáculos que imaginamos intransponíveis, transformando-os em movimentos transformadores pelo ato de sonhar coletivamente. É a “pedagogia dos sonhos possíveis” ou “a arte de tornar possível o impossível”, uma forma contundente de expressar a força da vida e da obra de Paulo Feire. Acho que continuarei recomendando a leitura dos escritos do nosso grande mestre da educação!
Talvez os mais jovens fiquem chocados porque a ideia da morte ronda a minha memória. Mas sejamos realistas, eu tenho muito mais da minha vida vivida do que estar por vi. Tenho perdido amigos muito próximos. Creio que nós sexagenários começamos a lidar com a partida de forma mais concreta, realista. Mas não se preocupe... Espero estar vivo daqui dez anos e buscando juntos “tornar possível amanhã o que no presente parece impossível”! Como diz Paulo Freire: “não há mudança sem sonho como não há sonho sem esperança...”.