Passagens

Viver é mergulhar no desconhecido, no inusitado, na dúvida e na incerteza. Quem tem medo de correr riscos, acaba por não fazer nada. O tempo não para, ele convoca, evoca, invoca, acomoda, incomoda, exige e instiga. Ele também transforma. O tempo é sábio e a estagnação, não. Viver é, inerentemente, realizar passagens. A semente germina, torna-se muda, há as passagens, segue transformando-se em uma linda árvore frondosa e frutífera. Suas frutas geram sementes e assim... O encontro amoroso, entre a mulher e o homem, constitui-se na multiplicação da espécie. O bebê resiste em nascer, mas há de fazer a sua passagem. E são muitas, ínfimas e complexas passagens, como por exemplo, o desmame, a entrada do pai, desfralde e muito mais. E a escola quando chega? A separação faz parte das “passagens”. 
olerar o intolerável ainda mais. Socializar é preciso. Da criança à adolescência, há muitos lutos. Luto do corpo infantil, da identidade infantil, dos pais da infância, etc. Há que se ter paciência para adentrar o universo adulto. O mais importante é que, além da paciência há também o desejo. E o desejo envolve pulsão ou impulso de vida. Pulsão de vida envolve o sonhar. O sonhar deve, de preferência, manter o equilíbrio entre os dois princípios do funcionamento mental que são o princípio do prazer e o princípio da realidade. 
Tenho oito irmãos, comigo somos nove. Faleceu uma irmã. Após alguns anos, quando todos nós já crescidos, minha mãe resolveu adotar uma criança de 4 meses. Então, constituímos uma família numerosa. Penso que sou uma pessoa experiente em tolerar frustrações, ao mesmo tempo receber gratificações. O desejo impulsiona. Tenho muita fé, esperança e curiosidade. E não consigo permanecer indiferente à dor alheia. 
Sou psicóloga e psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Vir a ser ou tornar-se psicanalista exige uma formação e ela é longa e prazerosa ao mesmo tempo, pois quanto mais estudamos, mais entendemos que falta ainda muito. Sempre haverá alguém que trabalhou mais que a gente, que se dedicou muito além e que tem algo para nos oferecer.  Essa é a realização de se estar vivo. Necessitamos do outro. A formação psicanalítica demanda uma trajetória complexa e necessária. As instituições de formação para psicanalista deverão estar ligadas à IPA (Associação Psicanalítica Internacional), criada desde 1910 por Sigmund Freud. 
Penso que, não escolhemos ser psicanalistas. A psicanálise é quem nos escolhe. Durante a minha formação, realizei algumas passagens. Primeiramente fui membro filiado entre 2011 até 2020, quando realizei a passagem para membro associado. E em maio de 2024, realizei mais uma passagem, para membro efetivo. São desafios e conquistas envolvendo muito trabalho, suor, ousadia e muito, mas muito estudo. E o principal é o amor na profissão. Passagens dão medo, turbulência e muitas vezes, podemos comparar com “o mar em fúria”. Enfrentar é preciso. 
Pensei na configuração entre amor e pulsão de vida. Um está relativamente imbricado ao outro. Ser recepcionado ou acolhido nesse universo em que nascemos, desde o início de nossa concepção com amor, é fundamental. Uma mãe suficientemente boa é muito importante. A memória do passado fica impregnada em nós. E se tudo foi construído com amor, vamos duplicando e replicando o amor. “O mais feliz dos homens, disse Goethe em certa ocasião, é aquele que consegue ligar o fim de sua vida ao início”. E fala de passagens que se enraízam na infância e sobre o significado que um presente de sua avó, no Natal de 1753, teve para o menino de 4 anos: “Numa noite de Natal, porém, ela coroou todas as suas bondades ao nos apresentar um teatro de bonecos(marionetes) e, com isso, criar um novo mundo na velha casa”. Gratidão mãe!
 

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