Desde as eleições de 1986 que a renovação na Câmara dos Deputados não atinge um índice tão alto. Naquela época, a troca foi de 48% da bancada e no último domingo chegou a 47,37%, segundo a SGM (Secretaria Geral da Mesa). Na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), o número foi mais alto, com 55%. Para especialistas regionais, as mudanças podem trazer pontos negativos e positivos, mas concordam que o ponto de partida é o descontentamento com as instituições e políticas atualmente existentes.
Em primeiro plano, o sociólogo Wilson de Luces Fortes Machado reafirma o descontentamento populacional, em vista de uma rejeição muito forte do sistema atual. “Essa busca de renovação ocorreu sob o critério de melhora, mas que vai significar uma aposta”, completa. O que para ele pode denotar um “tiro que sai pela culatra”, em vista da quantidade de antigos que ainda continuarão nas instâncias do Poder Legislativo.
É que, para o sociólogo, será necessário analisar como esses novos nomes se comportarão. À reportagem, ele salienta que “esses inexperientes” poderão pegar modelos políticos existentes para aprender, o que não vai significar o novo. “Sabemos que existe um certo controle da forma de governar, sobre distribuição de emendas e decisões. Ainda é muito cedo para avaliar, mas é preciso ver como vai ser o comportamento de quem está chegando lá pela primeira vez”, pontua. Wilson não deixa de dizer que há sempre o lado bom de ser o novo e pode sim traduzir na esperança de um Congresso Nacional inédito.
Por outro lado, o historiador Francisco Maia Neto garante que a renovação já é algo bom, por sinalizar que o eleitor está mais atento, bem informado e sem paciência para “oba oba”. Ele cita três coisas que impulsionaram a mudança: as mídias sociais ativas; a própria realidade da Operação Lava Jato, que revelou nomes e partidos corruptos; e a tentativa de uma mudança, que nasce da percepção de uma enxurrada de atitudes incoerentes.
“Acho que toda mudança é fruto dos anseios da sociedade. É uma dinastia que começa a cair, derivado de um ranço político que vem principalmente do Legislativo, pois a gente vê uma espécie de nepotismo hereditário, no qual os velhos tentam garantir a continuidade na política colocando filhos, sobrinhos, netos, enfim, membros da família no poder. O povo não quer mais isso”, avalia Francisco Maia.
Num terceiro olhar, o historiador Thiago Granja Belieiro coloca a renovação como resultado de uma ascensão da extrema-direita, principalmente do partido PSL, do presidenciável Jair Bolsonaro, que puxou votos para alguns nomes. “Trata-se de um acompanhamento do movimento internacional da extrema-direita, que vem para contestar as políticas neoliberais. Mas no Brasil está muito mais ligado ao conservadorismo do que à economia”, completa.
O especialista ainda avalia que a questão é positiva para o candidato à presidência, numa possível eleição, no qual ele terá mais chance de governabilidade, por ter consigo uma bancada no Congresso Nacional que deu uma guinada à direita. Mas numa linha tempo histórica, Thiago não deixa de analisar outras situações que são semelhantes ao cenário atual.
“A eleição de Bolsonaro está atrelada a do Jânio Quadros, na década 60, que veio de um partido desconhecido e ganhou. Depois nos anos 90, o Brasil voltou a se dividir, e teve a ascensão do Collor. São nomes que apareceram de um partido novo, com ênfase ao combate à corrupção”, detalha. Com isso, o historiador referencia uma história que pode se repetir.
Cláusula de desempenho
Por fim, Wilson lembra que a partir dessas eleições começou valer a cláusula de desempenho eleitoral, a fim de impor critérios para que partidos tenham acesso ao fundo partidário, dinheiro público. Para essa eleição, ficou combinado então que cada coligação precisa ter ao menos 1,5% do total dos votos para a Câmara dos Deputados, distribuídos em nove Estados, e com pelo menos 1% em cada. Ou então, eleger nove deputados federais, em pelo menos nove unidades federativas diferentes.
Em 2018, 14 partidos não conseguiram atingir o fator necessário. E já pensando em 2022, no qual a regra ficará ainda mais rígida, o sociólogo destaca a importância na hora de escolher candidatos regionais, uma vez que, caso não atinja a cláusula, resta a eles a aliança com outras coligações, a fim de ter acesso ao fundo partidário, o que pode significar algo ruim, do ponto de vista ideológico de quem vota.