No governo paulista de Jânio Quadros, por volta de 1956, iniciaram as obras da ferrovia Ramal de Dourados, ligada à Estrada de Ferro Sorocabana, partindo de Presidente Prudente e que, um dia, chegaria a Dourados, Mato Grosso. Jânio acelerou os trabalhos. Fins de 60, a primeira etapa estava pronta. De Prudente, do Posto 1, seguia em direção a Teodoro Sampaio, fazendo paradas nas estações: inspetor Perini, Pirapozinho, Tarabay, Dumontina, engenheiro Murgel, Mirante do Paranapanema, presidente Washington Luís, engenheiro Veras, Dr. Luís Francisco, engenheiro San Joan e Teodoro Sampaio, numa extensão de 120 km de trilhos colocados com fogos, churrasco e muito discurso ao estilo pronominal de Jânio. O trenzinho ia e vinha apinhado de passageiros. Apitava nas curvas e, ao chegar às estações, alvoroçava meio mundo. Comia a locomotiva os dois fios de macarrão, paralelos, intermináveis, assentados sobre dormentes de madeira de lei, unindo o Pontal do Paranapanema a Prudente e a São Paulo. Era gente que não acabava mais, saindo de todos os grotões do sertão sorocabano. Passageiros, segurando sacos de mercadorias e malas improvisadas, subiam e desciam, aqui, ali e acolá, os degraus dos vagões. Nas estações, funcionários da E.F.S. despachavam engradados de frangos, frutas, pois bendita era a fartura brotada da nova terra. O “Ramal”, como era chamado, dava vida e alegria aos confins do sertão paulista. Por volta de 65, mais 54 km de trilhos e novas estações estavam prontas, para serem inauguradas, de Teodoro Sampaio ao Porto de Euclides da Cunha, passando pelas estações de engenheiro Líscio, engenheiro Bráulio, Mário Cabral, agente Romeu e, finalmente, Euclides da Cunha, distante da capital 886 km. O dia da festividade foi 15 de agosto. O governador Adhemar de Barros chegou, de helicóptero, a Euclides. O patrimônio viveu seu momento de maior glória. Trilhos da E.F.S. de Prudente 64 Na estação, Adhemar descerrou a placa comemorativa. Houve um churrasco, regado a cerveja e refrigerante, pão e farofa, para todos, convidados para abrilhantarem as homenagens à continuação do “Ramal”. Após o almoço, o trenzinho partiu de Euclides da Cunha para Prudente. Adhemar, com seu corpaço, tomava quase todo o espaço do gradil, em frente à locomotiva, acenando, com as bandeiras paulista e brasileira, ao povo que ficava à beira da ferrovia. Acompanhavam-no o diretor da E.F.S., engenheiro Urbano Pádua de Araújo, os secretários de Estado Dagoberto Salles e Arnaldo Cerdeira, os deputados federais Geraldo de Barros e Hugo Lacorte Vitale, prefeitos e vereadores e um mar de gente encapelado pelos carros. Antes de o trem partir, houve mais discursos inflamados. Todos juravam fé e trabalho num Brasil promissor, conduzido pelas estradas de ferro, o maior meio de locomoção do povo. Adhemar, envolvido, apoteoticamente, pela crença na ferrovia, prometeu a todos: “Em 1970, estaremos chegando às margens do Rio Paraná. Estaremos indo, de trem, até Rosana, com mais 60 km. Estamos aplicando, através da Sorocabana, mais de um bilhão e 200 milhões de cruzeiros. Isso, sem computar o preço de 120 km de trilhos colocados ao longo do primeiro trecho. Trata-se de dinheiro do povo que estamos administrando em benefício do povo, para realizar um empreendimento que transcende os interesses locais, pois a ferrovia servirá a regiões de três Estados e, finalmente, interligará Brasil e Paraguai”. Todos o aplaudiram. Todos queriam que assim fosse. Começou, então, o governo itinerante de Adhemar. Em carros especiais, ficavam o chique restaurante, a sala de governo e dois carros dormitórios. No último carro, reservado aos engenheiros da estrada de ferro, iam eles de costa, vendo, analisando e anotando a situação das linhas, dos dormentes, das pedras sobre o leito dos trilhos, dos acostamentos e o pátio das estações. Os maquinistas, todos pomposos, trajando o uniforme azul-marinho e quepes, com os emblemas bordados em ouro da E.F.S., sentiam-se orgulhosos, ao lado do governador. Lá estavam o Ovídio Corvino, Sílvio de Almeida, José Zamboni e Kalil Memari. Eram elogiados por Adhemar, que os abraçava prazeroso. A felicidade estava no semblante de todos, durante todo o percurso da viagem, pois o povo, nadando em júbilo, por uma obra tão importante e exclusiva para ele, via-se como centro do único meio de transportá-los até Prudente e, daí, para os mais longínquos recantos brasileiros. O Ramal de Dourados, na década de 60, foi um hino de amor e progresso aos habitantes da região do Pontal do Paranapanema. O esforço do governo em construir essa obra, que, esperada por tantos anos, ligaria, em breve tempo, São Paulo ao Estado de Mato Grosso, com uma enorme ponte sobre o rio Paraná, até chegar a Naviraí, Dourados e Ponta Porã, e a esperança sempre crescente de também cortar o Estado de Mato Grosso, do sul ao norte. Adhemar, ao chegar a Prudente, nesse seu festivo governo itinerante, bradou, com todas as forças do seu entusiasmo: “A estrada de ferro é o caminho do passado”. E, apontando para os trilhos que devoravam os horizontes: “este é o caminho do futuro...” Toda fé, naquele momento de orgulho nas estradas de ferro, foi se diluindo com o passar dos anos. E, assim, ninguém mais soube avaliar o quanto era de serventia o trem para o povo vagões e carros de passageiros, puxados pelas saudosas locomotivas “maria-fumaça”, sucatearam-se e, ao relento, permanecem à função nefasta das intempéries governamentais. E, com tristeza infinita, os antigos passageiros dos trens do Ramal de Dourados viram a Fepasa, em 88, vender os trilhos de Euclides da Cunha até o Postinho do entroncamento 634 a uma empresa do Rio de Janeiro, que os levou, mais dormentes e pedras, por um valor apenas simbólico. Foi o tiro de misericórdia nos sonhos de um São Paulo ferroviário.