Hoje, mais do que ontem, eu vejo o quanto é difícil esse trabalho. Sim, por que não? Afinal, o custo de não dormir é tamanho que é possível que seja, até mesmo, incomensurável, sim, é possível. Pois bem, não dormi ontem e hoje também não, nem semana passada, ano passado, nem lembro, na realidade, quando dormi a última vez. Deve ter sido por ali, entre 1996 e 1997, pouco antes, talvez, de iniciar esse trabalho. Agora, que muitos anos se vão nessa função, posso perceber, em pormenores, certos detalhes, que antes, não por descuido ou distração, não notava.
Eles são, em certa medida, parte da noite e da madrugada, desses momentos do dia do trabalho em que, sempre me encontro só. Depois de certa hora, em que, geralmente, todas as fechaduras e cercas estão, devidamente conferidas e resguardadas, cada uma, à sua maneira, e em que, todos os funcionários, e também os presos, dormem o sono pesado, apenas eu e somente eu, que estou lá, em eterna vigília, posso ver. Corredores inertes, com suas luzes acesas, manifestam a inteireza do espaço vazio, em que jazemos a vida de outros. O que se vê, é, mais uma vez, a medida vazia do tempo, que parece em suspensão momentânea, nessas horas da noite.
É difícil porque estamos, desde sempre, a pensar em alguma coisa e, sobretudo, nós, vigias noturnos, passamos horas a fio a pensar, como parte, inerente, ao ofício. Pois bem, quando não se dorme, assim, pesadamente, como se deve, e por tanto tempo, por anos, o que acaba por acontecer, e é preciso notar bem, com acuro, é que o pensamento se vê, por muito tempo e como por milagre, completamente em suspensão, e se coloca em meditação, profunda, ali, no turno, por horas inteiras e de olhos abertos. Nesses momentos, que são raros, ao todo da espécie humana, anula-se a si mesmo e se contempla, finalmente, o que é a existência da vida.
Parece muito, e pode ser até estranhamente reconhecida, a capacidade de filosofar, de maneira tão profunda, de um profissional de ofício dessa natureza. Mas, os incultos, nesse aspecto, desconhecem a incrível sapiência que possuem, aqueles que podem se dão ao luxo de ter o pensar como parte de suas atividades cotidianas. Nesse caso, em específico, em que o sujeito, eu mesmo, não durmo há anos, a qualidade desse exercício se vê aumentada consideravelmente, e pode se vislumbrar aspectos ainda mais ricos. Entretanto, dada a natureza complexa das observações e dos pormenores a que se pode chegar diante de visão tão absurdamente aprofundada, dessa, desconhecida, existência, só posso, por razões diversas ainda, me abster de falar.
Nesses momentos, de reflexão tardia e solitária, de madrugadas inteiras, com o tempo, que como flecha, insiste em correr, percebe-se, finalmente, a grandiosidade de tudo o que nos cerca, mas, olhando a si mesmo, em eterna vigília, o que se vê, é sermos parte dela, inteiramente, como uma coisa só. É só isso que se pode notar, e não acho que seja pouco, acho até, pelo contrário, que seja isso mesmo, o que percebi, em todos esses anos, em que não dormi.