O sono

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 07/12/2024
Horário 05:00

Vinha descendo a rua, vindo da Prefeitura, em direção ao centro e à praça, caminhando lentamente, sem pressa, em mais uma madrugada sem sentido. Passava sempre ali, por aquelas ruas tão conhecidas, em detalhes, com o familiar que se torna tedioso. Sentia a noite e sua solidão, as sensações do vento e o frescor da brisa leve e úmida. Pensava em estar só, sempre, e na falta de explicações para essa realidade que nos cerca. 
A rua de paralelepípedos era larga e comprida, e se perdia de vista seu fim, na subida para chegar na rua de sua casa. Não havia ninguém no caminho até ali, um outro cachorro ou gato, esses, à espreita, desconfiados da sombra que atravessava a noite. Sentia cansaço enquanto andava, um sono profundo, uma indisposição tremendamente inexplicável, sentida na fraqueza das pernas, no pensar confuso e na vontade de deitar. Estava longe de casa ainda, pensou. Deitou ali mesmo, na rua irregular de pedras, no meio dela, de madrugada, como um corpo inerte. 
De manhã, enquanto o sol nascia e as pessoas começavam seus afazeres cotidianos, transeuntes se juntaram em torno do jovem, se perguntando sobre sua saúde ou sanidade mental. Tentaram acordá-lo, mas foi em vão. Não se mexia, mas parecia saudável, dormindo pesadamente como um bebê. Levaram o rapaz ao hospital e lá o internaram para exames. Os médicos fizeram avaliações, procuraram sintomas, discutiram possibilidades, aventaram um coma, um infarto, aneurisma, mas o jovem não tinha nada e apenas aparentava dormir. 
Acharam a família, que veio prontamente cuidar de seu filho querido. Não entendiam o que poderia ter acontecido, mas também não sabiam explicar porque ele estava na rua de madrugada, sozinho. Certamente não tinham explicações para o fato dele dormir no meio da rua, a noite toda. Acharam por bem deixá-lo no hospital, em observação, descansando nesse sono perfeitamente anormal para alguém de sua compleição física bastante saudável. O fato era incomum, mas ele parecia bem, afinal. 
Passaram-se alguns dias e ele não acordava. A família vinha em aflição crescente e os médicos não sabiam mais quais explicações podiam dar. Apesar de tudo, o semblante do rapaz era assaz agradável, e ele parecia mesmo estar gostando dos sonhos que tinha, aparentemente, demonstrando em sorrisinhos ou em uma passividade plácida em seu rosto. Todos notavam essas estranhas manifestações soníferas e pensavam que talvez ele gostaria de continuar ali por mais tempo. Sua vontade estava inerte, ainda mais que a dos outros. 
Obrigados pelo cotidiano e pelos dias que passavam, todos foram retomando seus afazeres, e mesmo sua mãe vinha pouco para vê-lo, dia assim, dia não, por semanas. Ele não reagia e a tendência é que vida volte ao normal para os demais. A solidão do rapaz que jazia inerte no seu sono profundo apenas indicava o caminho seguido por todos, na pequenez de suas existências bravias e sem sentido aparente. No seu íntimo, é possível que ele pensasse em acordar, como fez, anos depois. Sem entender nada do que havia acontecido, as explicações ficarão para depois, ao dormir para sempre.

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