Semana anterior vaguei por sertões descortinados do passado. Em São Paulo, na conversa com meu pai, fomos à Vila Maria, visitar seu amigo e companheiro “Sô” Bastião. Este tratava meu pai por “Sô” Tonho. Ambos com seus noventa anos, andarilhos que foram nessas dobradas de fazendas da Alta Sorocabana. Falavam de suas andanças na década de vinte e trinta. O ambiente era todo rural. A conversa girava, ia e vinha e o tratamento dado aos colegas mateiros, picadeiros, agrimensores e machadeiros funcionava na base do saudoso. Sim, todos já haviam partido lá para os sertões do céu. Mas o tratamento dado a todos era o “saudoso compadre”. O nome de batismo deles também havia sido desviado para o apelido. Aliás, todos eles mineiros. E mineiro que se preza tem que ter apelido. José é sempre Zeca ou Zé, às vezes Zezé. Francisco, Chico ou Chiquinho. Joaquim, Quincas. Manoel, Mané, Maneco ou Manu. Geraldo, quase todo Geraldo recebia o apelido de Dico e o filho do “seu” Dico era Ladico ou os mais tinham o Dico; depois, Pedro Dico, João Dico e assim por diante o tratamento familiar que se fazia patriarcalmente, na base do apelido. Antônio e Sebastião, ou Tonho e Tião, com o “seu” antecedido ao nome, davam sinal de respeito. Todos eram “seu” fulano, “seu” sicrano e “seu” beltrano. Melhor dito, “seu” passava a “Sô”. A conversa dos dois circundava o divisor de águas do rio do Peixe e do rio Santo Anastácio, tendo, sempre, como partida, o leito da Estrada de Ferro Sorocabana. Quando não esta, a conversa partia da Estrada da Boiadeira. Os lugares recebiam qualificativos dos filetes de água que corriam por aqui ou por ali, conforme a cor da água ou do animal mais abundante. Havia, assim, Ribeirão Claro, Córrego da Onça, Ribeirão do Feiticeiro, porque um tal Zeca mandingueiro ali se fixara. Os sítios e fazendas abertos recebiam a chancela de seu pioneiro. Pousada do “seu” Tião. Brejal do “seu” Dito, Espigão do “seu” Pedrão. Se italianos fossem, o nome dado era o de família: Calabreta, Rossi, Bongiovani e Colnago. Desfiavam um rosário de recordações. Lembravam-se de tantos companheiros. Do finado Moisés Santos, do engenheiro Fonseca e dos proprietários de terra. Os acampamentos vinham à mente, por onde pegaram o serviço, ora para demarcar, ora para derrubada. Iam de contratação em contratação, com seu pessoal, todos vindos das Minas Gerais. O mais jeitoso do grupo fazia-se carpinteiro, preparando a madeira para a feitura das casas. Faziam-nas de lascas de coqueiro, amarradas de cipó e cobertas de tabuinha de cedro. Os mais abonados, depois de segunda ou terceira colheita, faziam suas casas de madeira, serrada no próprio local. A serra era usada com dois pequenos cabos invertidos nas extremidades. Ocupava ela dois homens, ficando a tora suspensa entre um barranco e uma forquilha. Um, em cima da tora, ia com a serra, e outro, debaixo, voltava. A serra ia e vinha na tora. Esse trabalho, diziam, era do saudoso Quincas, e não menos saudoso Zeca. Serravam tábuas, da peroba ao jatobá. Tudo se confeccionava rudimentarmente. Do assunto do Quincas e do Zeca, passaram para o do negro Tonho Serafim. Serafim fora auxiliar direto do Coronel Goulart. Tonho Serafim, segundo suas histórias, foi um brilhante contador de casos. Sua façanha predileta era contar, com orgulho e rompante, a história das primeiras datas em Prudente, desenhadas pelos Cel. Goulart. Dos primeiros vinte e cinco quarteirões de oitenta e oito por oitenta e oito metros, limitados por quatro avenidas de vinte e seis metros e quarenta centímetros de largura. Cada quarteirão compunha-se de oito datas de quarenta e quatro metros cada por quarenta e quatro. E as reminiscências do “seu” Tonho e mais “seu” Tião só pararam para se tomar café com biscoito de polvilho e pão-de-queijo.