O refúgio dentro da mata

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 19/11/2023
Horário 04:30

Busco refúgio semanal no sítio lá no bairro rural do Primeiro de Maio. É indescritível o contraste com o ritmo nervoso dos centros urbanos – fumaça de ônibus, fuligem para todo lado, transeuntes com passos apressados. Lá no sítio não. Procuro me manter em paz com a vida. Céu azul. Diversidade de pássaros, uma pequena plantação ao lado da mata. Planto de tudo. Mandioca e batata-doce. Abóboras variadas e um pouco de milho. E as árvores frutíferas, então? Mamão, amoras, bananas de várias espécies, acerola, graviola, manga, limão. O trabalho é árduo e cansativo, mas é o que me mantém vivo. 
Com a enxada, debaixo do sol escaldante, eu pensava na rotina dos meus vizinhos agricultores na lida da terra ao longo da vida. Meus amigos sitiantes são cada vez mais velhos como eu. É uma “costela caída”, reclama o agricultor. Outro precisa quebrar uma pedra no rim. E por aí vai. Não era possível continuar com a enxada naquele horário. Nem mesmo molhar o rosto na beira do córrego amenizava o calor que já me deixava atordoado. Daí eu busquei refúgio dentro da mata.
Tenho a sensação de que estou entrando numa catedral. É impossível sentir-se sozinho ali. Sempre sou saudado por um canto firme e repetitivo de algum pássaro. Imagino que é Jubiassã, o poderoso guardião da mata me lembrando que aquelas terras guardam muitas lendas do seu povo. Daí eu tropecei no tronco de uma árvore grande. As raízes da árvore se contorciam a partir da base do tronco e se escondiam como se fossem cobras por debaixo de uma camada espessa de folhas caídas que cobriam o chão. Cavoquei a terra debaixo das folhas para acompanhar as ramificações das raízes e encontrei um emaranhado espesso de fungos trançados nas raízes. Eu estava diante de uma majestosa figueira, com sua copa gigantesca em forma de sombrinha. Enormes troncos baixos com ramos longos, próximos ao solo. Casca cinzenta, quase lisa. A ramificação de suas raízes devia chegar até 20 metros ao redor de sua copa! 
E assim fiquei um bom tempo, retirando a camada de folhas que escondia aquela joia da natureza e descobri uma linha renda de fungos emaranhados com outros organismos nas raízes das árvores. Dizem que as árvores falam umas com as outras por essa espécie de micorrizas que estabelecem associações mutualísticas entre as plantas. Tudo úmido e fresco, lembrando que a chuva vinda do orvalho faz aquela figueira rir com a alegria da vida. “Sabe o desespero sobre o futuro da vida na Terra? Não há como se preocupar, teremos fungos, de um jeito ou de outro”. 
 
 

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