Por que a minha mãe empenhou-se tanto para que quatro de seus cinco filhos estudassem piano desde pequenos? Nunca perguntei para ela... Não era em qualquer escola de música, não. Fomos estudar no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, localizado no centro histórico paulistano. E lá estava eu, com apenas 7 anos naquela instituição de grande prestígio, conhecida por sua impressionante biblioteca musical e por ter vários ex-alunos ilustres como Francisco Mignone e Mário de Andrade, que também foi professor da escola.
Imagine a operação de guerra semanal. O despertador tocava às 5 da madrugada... Café da manhã ao som do Programa Zé Bettio na Rádio Record AM! Saíamos bem cedo de casa e passávamos todos juntos duas manhãs por semana. Enquanto um dos irmãos estava na aula de piano, fazíamos outras atividades de solfejo, teoria musical, canto. Em casa o piano ficava na sala. Nas manhãs que não estávamos no Conservatório, havia um revezamento para estudar as lições de piano. Coitados dos vizinhos...
Quem acabou se formando no Conservatório foi apenas minha irmã mais velha, que completou os nove anos de formação básica e mais três anos de ensino técnico, mas não posso negar que a experiência musical que tive foi marcante. Eu passei sete a oito anos na escola, cheguei a estudar cinco horas de piano por dia e participar de algumas audições. Era comum assistirmos os ensaios da orquestra municipal no Teatro São Pedro às quintas-feiras e depois assistirmos aos concertos matinais no Teatro Municipal de domingo.
Ainda que não tenha mais o tempo necessário para manter a prática pianística, continuo fiel às minhas partituras. Elas ocupam uma parte importante da minha biblioteca. Quando estou muito cansado, não há nada melhor do que praticar um pouco das invenções para duas vozes de Bach. São uma forma de composição musical em que duas linhas melódicas são tocadas simultaneamente, criando harmonia e contraponto, o que teve um papel fundamental no desenvolvimento da música ocidental.
Ninguém melhor que Johann Sebastian Bach para combinar diferentes linhas melódicas de forma que elas se complementem e interajam de maneira harmoniosa. Praticar os exercícios criados por ele requer coordenação e destreza, o que ajuda a me reencontrar com o piano de forma mais fluente e expressiva. Me reencontro entre os dedos das mãos, numa espécie de diálogo musical comigo mesmo. É como diz Fernando Pessoa: “Olho por todo o meu passado e vejo. Que fui quem foi aquilo em torno meu... De ser eu mesmo de meu ser me deu.”