O que se leva desta vida

Charanga Domingueira

COLUNA - Charanga Domingueira

Data 14/05/2018
Horário 08:37

Posso até não achar tanta graça ao ouvir músicas na voz de João Gilberto. Direito meu e gosto não se discute. Particularmente isso não é bem verdade. Gosto de muita coisa que ele canta, mas não sou um desses admiradores que colocam o baiano de Juazeiro nos cornos da lua. Sinceramente, prefiro ouvir músicas e letras de Noel Rosa interpretadas pela turminha do MPB ou então as dissonâncias que a junção magnífica de vozes dos Titulares do Ritmo proporcionavam quando cantavam Ary Barroso. Ouvia extasiado!. Os “Titulares do Ritmo” foi um sexteto vocal, todos cegos, do tempo em que os conjuntos estavam em moda. Alguém ainda se lembra dos “Anjos do Inferno”, do “Bando da Lua’ ou dos “Quatro azes e um coringa”? No “Bando da Lua” cantava ninguém menos que Lúcio Alves. Acho que os “Titulares” foram os reis entre eles. Cantavam como pássaros canoros numa afinação desigual para a capacidade de audição dos nossos ouvidos. Vivi a grande época dos Titulares, fui locutor principal de comerciais na gravadora que possuíam, a Pauta, montada no Bexiga, em São Paulo, depois que começaram a fazer sucesso e o dinheiro começou a entrar. Fato inusitado e que poucos conhecem: os Titulares ganharam bom dinheiro vendendo uma gravação em fita cassete às escondidas. Eram paródias e letras com conteúdo, digamos, fora do politicamente correto. Cantavam nessa gravação a chamada pornofonia, algo inaceitável nas prateleiras das lojas de disco, mas que atingiam o gosto popular. Alexandre Kadunc fazia as letras pornográficas. Estava falando de João Gilberto e deslizei no tema. É sempre assim. Só os coroas se lembrarão que os Titulares gravavam os prefixos da Bandeirantes. Lembram-se do “O canto do Uirapuru existe sillllêncio ...”?  Voltando ao João Gilberto está ele vivendo um período difícil em sua reta de chegada. Como a cigarra de La Fontaine, cantou muito em seu verão e agora faltam acordes para seu inverno. Lembra o grande craque galês George Best,  que no final da vida viveu a custa dos amigos. George dizia: “ganhei muito dinheiro com futebol, gastei muito com mulheres, bebidas e carros. O resto eu desperdicei”. João Gilberto não fez o mesmo. Era até meio somítico em seus gastos. Mas, uma vida de reclusão, casamentos que não deram certo e principalmente muita esquisitice o fizeram chegar aos 86 anos dependendo da ajuda dos amigos. E enfrentando o que de pior pode existir na vida de gente famosa e que foi muito rica. Os herdeiros brigando por seu espólio. Ainda bem que aprendi a viver com pouco dinheiro e dentro do velho refrão: “o que se leva desta vida é tudo aquilo com o qual aqui chegamos”. E no meu caso já é muito, com a graça de Deus.

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