O pombo e o menino Ney

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 29/11/2022
Horário 06:09

Escrevo essa crônica um pouco antes do jogo entre Brasil e Suíça para cravar uma sensação que tenho em relação ao nosso jogador mais badalado nas mídias digitais e o outro atleta, mais novo candidato a ídolo nacional. Falo, respectivamente de Neymar e de Richarlison. 
Neymar não jogou hoje. Richarlison sim. Não consigo prever agora se ele foi bem, se marcou ou não algum gol, mas é nítido que em pouco tempo este rapaz vai se tornar uma das pessoas mais amadas (e, também, odiadas) no Brasil. 
Ao contrário de Neymar, Richarlison assumiu desde cedo o controle de sua vida e possui uma característica difícil de encontrar em jogadores de futebol: ele se posiciona! Não só politicamente, o que já fez e faz com frequência e por isso escrevi que em breve será muito odiado por parte dos brasileiros que colocam tudo numa panela só, de política a futebol. 
Mas sua proeminência em relação a Neymar é que Richarlison sabe o que quer e não se limita a ser um jogador mimado que vive em um mundo paralelo virtual de mais de 200 milhões de seguidores. 
Sempre disse, aliás, que Neymar nunca foi um jogador brasileiro de respeito e ídolo total porque realmente vive muito mais o mundo a partir da tela hiper midiática do que pela realidade física. Não é de hoje que o considero um atleta deslocado da realidade porque quase todas as vezes em que teve chance de mostrar que tinha personalidade, ele arregou. Bem, talvez para ele seja até normal agir assim, com um certo desdém para tudo que o cerca, de fãs a imprensa, porque esse cara tem mais seguidores que a população inteira do Brasil, além de não sei quantas centenas de assessores, dinheiro, o pai que resolve tudo e fama suficiente para dar de ombros ao que quiser.
Porém, é isso também que me parece escapar de seu controle: a autenticidade. Essa soft skill tão valiosa hoje em dia para o mercado e para a vida. 
Fato é que se não estourar de vez nesta Copa, e espero que eu queime minha língua aqui, de verdade, o menino Ney vai ser esquecido como tantos outros “futuros Pelés” que já tivemos.
Nosso país já teve muitos jogadores que não se esconderam atrás da fama, justamente por perceberem que o mundo espera deles muito mais do que dancinhas no Tik Tok. Sócrates e Romário são grandes exemplos. 
Richarlison me parece estar no caminho de preencher essa lacuna junto aos torcedores e à população brasileira: faz gol, diz o que pensa, não se esconde, comete erros amadores, mas acerta em tantas outras ações, mostra vulnerabilidade e humanização. Oxalá continue assim, autêntico, incomodando quem acha que um menino que veio de onde veio não pode se posicionar.  
Até porque, o que se espera de um jogador de futebol em nosso país é que ele nos dê alegrias dentro das quatro linhas, mas seja alguém pronto a atuar socialmente. E para além de criar uma fundação aqui ou um instituto ali. Temos abismos enormes entre nosso poder público, a iniciativa privada e a população mais necessitada e é aí que podem agir.
 

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