O mito da autossuficiência e a ilusão do individualismo

OPINIÃO - Leonardo Delatorre Leite

Data 29/10/2022
Horário 05:00

O destaque para a independência particular na realização da identidade pessoal constitui um dos principais aspectos do chamado romance de formação, caracterizado pela busca categórica do protagonista da realização concreta de um objetivo específico. Não obstante, o cumprimento efetivo desse propósito encontra empecilhos, sobretudo, a oposição da comunidade, cujos indivíduos atribuem ao sonho do protagonista uma qualificação de inalcançável ou utópico. 
Apesar dos esforços contrários da pressão social, o personagem principal consegue a vitória derradeira, reafirmando, assim, sua autonomia e independência pessoal. Nesse sentido, a primazia da vontade individual contra o coletivo e um certo louvor aos aspectos da autodeterminação particular foram centrais para a estruturação da mentalidade liberal, fundamentada no individualismo e na valorização dos direitos individuais. Todavia, tal crença no poder da individualidade encontra limites e fragilidades ontológicas.
Numa primeira análise, a ênfase na autonomia individual para a construção da identidade pessoal ignora um traço indispensável da natureza humana, a saber: a sociabilidade. Em vista disso, ao afirmar a centralidade da autodeterminação particular, o liberalismo, pautado no enaltecimento do individualismo, ou seja, na independência do indivíduo frente ao coletivo, desconsidera a primazia da relação com o outro, da alteridade, para a formação da pessoa humana. É sabido que o homem é um animal social, visto que a sociabilidade constitui um dos traços de sua essência. Desse modo, nenhum indivíduo é autossuficiente, pois o relacionamento com o próximo é uma dependência de sua própria natureza, uma necessidade enraizada na essência do ser humano.
Ademais, é a partir da relação com o outro que o indivíduo adquire consciência de suas circunstâncias. Por exemplo, o professor depende do aluno para que possa ser caracterizado como docente, ou seja, para que tome conhecimento de suas funções, um mestre precisa de seu discípulo. Portanto, o liberalismo, enquanto estruturado no destaque à autonomia individual, é falível em razão da impossibilidade da autossuficiência particular na construção da pessoa humana, pois a sociabilidade, enquanto traço crucial da essência do homem, revela a imprescindibilidade do envolvimento com o próximo para o desenvolvimento da consciência do indivíduo. 
Em vista disso, tal raciocínio é reafirmado pela filósofa alemã: “O indivíduo humano isolado é uma abstração. A sua existência é a existência em um mundo, sua vida é vida em comum. E estas não são relações externas, que são adicionadas a um ser que existe em si e para si, mas, a sua inclusão em um todo maior pertence à própria estrutura do homem”.
Diante dos fatos supracitados, a ênfase na independência pessoal para a formação da própria identidade apresenta fragilidades teóricas, sobretudo, por desconsiderar o fato de que é a partir da alteridade que o indivíduo se constrói, ou seja, a partir da consciência de suas circunstâncias. Por certo, não se trata de ignorar a autonomia individual, mas adquirir o conhecimento da ilusão da autossuficiência do homem no seu desenvolvimento.
 

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