Existem crianças que não têm a menor noção de perigo. Brincam de equilibristas no muro à beira do rio, sobem nos galhos mais altos da árvore do fundo do quintal, correm de skate ou patins entre os carros das ruas mais movimentadas (pegam até carona na traseira dos ônibus e dos caminhões!), saltam dos rochedos nas águas profundas do mar, arriscam o primeiro beijo no pátio da escola sem medo do que dizem fulano ou ciclano. Decididamente, esse não foi o meu caso. Eu fui uma criança muito medrosa...
Dizem que o medo nem mesmo é um conceito, mas um sentimento que toma conta da gente em situações de perigo ou imaginariamente de risco. O coração dispara, a respiração fica ofegante, calafrios e tensionamento muscular, cautela excessiva, apreensão e preocupação sabe-se lá do que, no limite do caos. E lá ia eu para a barra da saia da minha mãe ou na busca da mão macia da minha tia. Conversava com meus botões, em estado de introspecção.
Talvez seja por isso que deixei de experimentar muitas coisas quando mais jovem. Montar a cela no cavalo lá no pasto? Tirar o favo da colmeia da abelha? Descer desenfreado no carrinho de rolimã ladeira abaixo? Mandar um bilhetinho para a paquera na aula de português? Nem pensar. E aquelas noites no quarto bem escuro, então? O medo chegava e tomava conta de mim. Parecia que tinha alguém atrás do armário olhando bem fixo nos meus olhos. Ou quem sabe um ladrão debaixo da cama, somente esperando a hora certa do assalto. Nessas situações o medo se transformava quase em pânico. Era tanto medo que dava até medo de chorar!
O tempo foi passando e o medo começou a atrapalhar demais o curso da vida. Deve ter sido o medo de errar que atrasou os meus primeiros passos no mundo da escrita. Explorar o fascinante labirinto da linguagem matemática? Deus me livre! Medo maior a ponto de impedir de seguir. Deixar de seguir todos os caminhos, sem caminho marcado.
Não sei dizer o que aconteceu comigo na medida em que fui crescendo... Esse terrível medo de viver foi ficando cada vez mais distante na juventude. Sem perceber fiz que o meu próprio medo tivesse medo de mim! (risos)... E como eu conseguia fazer tantas coisas diversificadas ao mesmo tempo? Assistir as aulas, aprender música, montar peças de teatro, namorar, participar do movimento estudantil, namorar de novo, organizar cadernos de poesias, andar pelas ruas da cidade em qualquer hora do dia ou da noite. Bem, mas essas são outras estórias. Sei como é difícil falar desses sentimentos, mas abre as tuas mãos sobre o infinito e me diga: você já teve medo de voar?