O lado pobre da cidade

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 10/09/2023
Horário 06:00

Ele desliga a TV como se estivesse se desligando do mundo. A maioria dos seus amigos se perdeu em busca de aventuras, alguns estão presos e outros perderam a vida no crime. Ele não se preocupa mais com o passado e diz a si mesmo que está tudo bem.  Coloca seu velho e doente pai numa cadeira de rodas e vai até a rua, que está sendo banhada pelo pôr do sol, no lado pobre da cidade. Seu velho pai sorri. Ele viveu muito tempo de sua vida errante no submundo das drogas. Adoecia na sua própria rotina, nas armadilhas da sua carência.  
Seu velho pai nunca desistiu dele. Sua mãe não aguentou tanto sofrimento e morreu de depressão. Seu velho pai acreditava no amor iluminado de um pai. Ele era um menino muito inteligente, gostava de recitar o poema O Corvo, do poeta americano Edgard Allan Poe. No lado pobre da cidade, foi engolido pela maldade do mundo das drogas.  Perdeu sua preciosa juventude, perdeu os amigos e os seus sonhos foram corroídos pela fumaça do crack. Seu velho pai ficava de joelhos todos os dias pedindo a Deus que salvasse seu filho. 
Ele amou a bela Clarisse que se casou com um cara rico. Ela se cansou do lado pobre da cidade e foi viver seduzida pelos anéis de ouro e de brilhantes, nadando na luxúria. Ele ficou em silêncio perdido no seu amor sem sentido. 
A juventude do seu coração, que só conhecia o que era paixão, afundou no abismo da desilusão. Seus olhos perderam o brilho e a escuridão da solidão apossou do seu inseguro coração. As drogas davam a ele uma sensação de paz e de uma falsa felicidade. Um dia seu pai teve um derrame e ficou entre a vida e a morte. Uma força poderosa apoderou-se dele. O amor é maravilhoso e divino, e ele ficou ao lado da cama do velho pai segurando em suas mãos calejadas pelo sofrimento pedindo perdão.  Quando seu pai abriu os olhos disse com dificuldades: "Meu filho".  
Desse momento em diante ele quis largar a maldade das drogas, olhou para dentro de si mesmo e disse: "Não preciso mais da solidão". Todos os dias no fim de tarde, olhando o bonito pôr do sol no lado pobre da cidade, ele passeia com seu velho pai empurrando uma velha cadeira de rodas.  Ainda pensa na bela Clarisse e lembra da música "Se tu quiser" que ela gostava: 
“Se tu quiser basta me dizer
Que eu irei correndo
É só me avisar
Que tu tá me querendo
E o mundo vai saber
O que é um grande amor"... 
A frase emblemática do poema de Edgar Allan Poe que o Corvo dizia volta à sua mente: "Nunca Mais".
"Os piores escravos são aqueles que estão servindo constantemente as suas paixões"... Diógenes.
 

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