O futuro já começou

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 13/05/2024
Horário 14:16

Tenho a sensação de que o tempo passa cada vez mais rápido. As semanas se sucedem muito rápido. De fato, Fernand Braudel já nos ensinava que, ao olharmos para o passado, procuramos estabelecer recortes temporais, alinhando fatos e problemas característicos de cada época. Talvez recontar e rearranjar os fatos seja o grande trabalho dos mais velhos, uma vez o envelhecimento é uma mudança vivida de relação entre o espaço e o tempo. As intensas chuvas que castigaram o sul do país  nos últimos dias me convidam a pensar na relação que estabelecemos com o tempo em outras escalas. 
Sabemos que a história da Humanidade é uma história do distanciamento progressivo entre os seres humanos e a natureza. A descoberta do fogo e a domesticação de plantas e animais foram algumas das primeiras técnicas que alteraram significativamente a relação da sociedade com a natureza, mas as transformações geradas pelas construções humanas ainda não provocavam desequilíbrio ambiental. As comunidades humanas demonstraram enorme capacidade de adaptação aos diversos ambientes. A Revolução Industrial (1750-1870) foi outro marco importante. Ela representou um período de transformações ecológicas sem precedentes, impondo um ritmo humano aos ciclos naturais, criando seu próprio fluxo de energia por meio da queima de combustíveis fósseis. No período atual, segundo Milton Santos, o motor da transformação da natureza não é mais o da máquina da indústria, mas o da informação, garantindo uma articulação muito mais intensa entre os lugares, possibilitando a rápida veiculação de ordens e de comando por todo o planeta. Desta forma, os habitantes de inúmeras localidades estão muito mais submissos à decisões tomadas em outras escalas, cada vez mais distantes da vida cotidiana.  
A crença na capacidade de resposta da sociedade atual, com base em algum sistema técnico de controle, cria uma falsa segurança, apoiada na facilidade de acesso à informação e de meios artificiais de manutenção da vida humana. Esta situação é vivida pela população de modo extremamente desigual. Enquanto as camadas mais ricas, inseridas nos circuitos globais de alta tecnologia, insistem em acreditar que o seu poder de compra e o volume de investimentos em obras de infra-estrutura poderão mantê-las protegidas de qualquer adversidade (negando os dados científicos de que os padrões climáticas sofreram mudanças irreversíveis), a situação é completamente diferente nas periferias urbanas pobres, aquela das redes sociais tecidas pelos laços de vizinhança e de pertencimento à comunidade. Há ali a gestação de novas formas de enfrentar os problemas atuais.  Sim, o futuro já começou, e está naquela cidade percorrida a pé!

 


 

Publicidade

Veja também