Ele me ensinou quase tudo como pai. Errei, acertei, testei, falhei, arrisquei, ganhei, doei, cobrei… “Ei, moleque. Não, não!”. Foi como eu aprendi a fazer, como vi outros se arriscarem, como fui educado, o que estava incorporado em meu DNA de vida! Nenhum deslize do pequeno passou em vão sem que eu o direcionasse, a não ser que estivesse longe dos meus olhares, na maior parte das vezes, autoritários. Nunca foi “coisa de criança” e muito menos “deixei pra lá” por supostamente temer a opinião alheia. Fiz meu papel e ponto. Ah, o filho mais velho! Tão na linha...
Nesta trajetória, busquei contrapesar amor e limites dentro do desejo incondicional de ser um pai participativo, que não carregasse, acima de tudo, culpa no roteiro da primeira viagem. Alguém consciente de que os erros ocorreriam, mas que seriam para o aprendizado que me levaria adiante. E mesmo que as frustrações e incompreensões ainda surgissem, me recompor e seguir como o líder desta relação foi uma constante para acolher e suprir suas necessidades, seus clamores por limites, por disciplina e, acima de tudo, por amor.
Assim, nos edificamos, nos tornamos cúmplices dos nossos erros e acertos, dependentes desta relação de companheirismo e amizade, um adulto e uma criança se abastecendo de sentimentos, emoções, sonhos... tão reais, regados pelo presente desta vivência diária. Mas seu irmão chegou!
Na acolhida, observei o impacto do bebê na vida de quem teve atenção exclusiva por quatro anos. Ao mesmo tempo, me interroguei, como seria partilhar o meu amor, como trabalhar a irmandade e ampliar o nosso ciclo de amizade? Questionamentos respondidos naturalmente na prática. Quando nasce um filho, vem com ele o amor, uma, duas, três...quantas vezes for! Germina a divisão de tudo, a compreensão do novo, o entendimento que o caminhar permanece mais encorpado na estrada, que todo temor era apenas de algo ainda não vivenciado.
E, então, a caminhada exige a consciência de que o filho mais velho não pode assumir mais responsabilidade do que deve com o irmão. Ao mesmo tempo, precisa ser envolvido na rotina daquele que, nos primeiros meses de vida, nos rouba quase que a totalidade do tempo e atenção no ambiente familiar.
Mais experientes, tendemos a não cometer inúmeros erros com o novo bebê, já não há tantas inseguranças, e o filho mais velho carece dos nossos olhares. Ele é a criança. Vê-lo como um risco ao recém-nascido ou deixá-lo à parte pode manchar esta precoce relação fraterna. Os cuidados são necessários, porém, o excesso e as constantes negativas ao seu comportamento provocam conflito de sentimentos, o surgimento do ciúme, a rivalidade, fere seus desejos egocêntricos... As crianças são únicas, devem ser tratadas como tal e precisam vislumbrar o amor dos pais na proporção que atenda suas expectativas.
Tempo e paciência são condutores fundamentais neste momento de esclarecimentos do motivo das regras, da disciplina, das cobranças… Embora os mais velhos tendem a ser “espelhos” para os demais, continuam sendo filhos. Primogênitos podem ser corresponsáveis pelos irmãos mais jovens. Um privilégio a quem, desde cedo, aprende a se comprometer com o próximo de forma natural, mas que depende exclusivamente do compromisso dos pais para que em seus ombros não coloquem o fardo de que ser o mais velho o impede de errar, chorar, reclamar, negar, questionar, recusar...e ainda se silenciar!
Irmãos mais velhos são especiais e só o tempo será capaz de revelar aos demais esta verdade. Do meu primogênito, sou aluno. Me desconstrói nos exemplos, na humanidade, não poupa ternura, adocica minha sisudez e não se limita a compreender minhas limitações ao me propor reflexões e demonstrar que aquilo que construímos está sob base sólida e sua perenidade só dependerá de nós. Em toda sua inocência, sou regado por seu respeito, amor, espontaneidade, cumplicidade, altruísmo... O segundo chegou, mas não o substituiu, não gerou ao outro “saudades” de como era antes.
Eles farão suas escolhas. Ao passo em que a jornada continua, terão seus amigos, seus confidentes, edificarão sua trajetória não tão próxima do ninho em que cresceram e aprenderam a voar. Busco edificar a relação de pai e caçula nos mesmos moldes anteriores, permitindo que razão e emoção equilibrem-se. Na irmandade, anseio que se apoiem e sigam na certeza que jamais estarão sozinhos. O tempo passará... Enquanto isso, ficarei aqui ou em algum lugar à espera que sintam desejo sempre de retornar. Ao mais velho ou mais novo, minha premissa de que corações de anjos merecem zelo!
Dica de leitura
Cabeça de Melão e Cabeça de Abacate
Foto: Divulgação
Publicados no periódico “Child Development” e realizados com 169 adolescentes, estudos apontam que aqueles que têm contato com amigos de infância demonstram menos ansiedade e menor predisposição à depressão. As pesquisas foram feitas com jovens de diversas etnias e status socioeconômicos, revelando que os adolescentes que mantinham estas amizades tinham a autoestima muito mais elevada. E os especialistas apontam que, por conta desses amigos serem mais significativos, há ensino na travessia de dificuldades e ajuda no desenvolvimento emocional.
Neste sentido, esta pesquisa mostra o quão é importante os laços antigos serem cultivados, e que podem ajudar em muitos aspectos no desenvolvimento das crianças e jovens. Além disso, podem proporcionar o altruísmo, sociabilidade, o respeito, a empatia e a autonomia, assim diminuindo o comportamento negativo.
No livro Cabeça de Melão e Cabeça de Abacate, escrito por Cleber Galhardi e publicado pela Boa Nova, os personagens Kelvin e Beto passam por situações que os levam a compreender o sentido da amizade. A literatura pode auxiliar o ensino às crianças do cuidado com seus amigos e o cultivo de bons hábitos para manterem o companheirismo.
Autor: Cleber Galhardi
Editora: Boa Nova
Páginas: 28
Preço: R$ 10,90