O caso aconteceu há 20 anos no campus da UEL (Universidade Estadual de Londrina).
O paulistano Afonso Alves Júnior, então com 19 anos, havia acabado de entrar para a faculdade. Curso de Música.
Ele veio de uma comunidade na cidade de São Paulo.
Um ano após a sua chegada a Londrina, havia voltado para casa apenas duas vezes. Neste período, porém, Afonso perdeu a mãe e a avó, que era quem de fato cuidava dele. O pai nunca conheceu.
Restou a ele o barraco onde todos moravam e que agora estava alugado a um senhor de idade.
Na verdade, restava, porque o barraco foi queimado com tudo dentro, inclusive o senhor, no incêndio que consumiu quase toda comunidade.
Afonso era pianista. Quer dizer, gostava de piano e aprendeu a tocar ainda garoto na casa de uma patroa da mãe.
Aprendeu o básico e foi ali que decidiu que seria músico. Queria viver da música e não desistiu do sonho até entrar no curso de Música, na Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Cursou um ano, até que após perder a casa, a mãe e a avó em São Paulo, percebeu que estava só em Londrina. Pior: não tinha mais dinheiro para morar na república com os amigos da faculdade e logo estava na rua.
Afonso tinha poucas roupas, alguns objetos e um piano. Sim! Ele tinha um piano, que ganhou de um professor do curso e que ficava em uma sala de aula abandonada na universidade, perto da Capela Ecumênica.
Afonso passava os dias ali e só ia embora à noite, porque não era possível dormir por lá. A universidade não deixava.
O lugar era como uma sala de aula normal, mas praticamente abandonada depois que o curso de Jornalismo decidiu não mais usá-la como Centro Acadêmico. Aos poucos, a natureza fez sua parte do lado de fora. Musgos, pteridófitas de toda sorte e plantas que gostam muito de umidade, como pequenas samambaias, proliferavam pelo lado de fora e no telhado.
As paredes de madeira que revelavam a arquitetura dos primeiros anos da universidade e outrora lisinhas, agora descascavam como peles que se soltam de corpos moribundos. Serviam ainda como espaço para “pixos” e cartazes que trazem em si a ruptura, a resistência e a memória da presença humana.
Os vidros não estavam quebrados, com exceção de duas janelas, por onde se conseguia entrar na sala e ter acesso ao piano. No chão empoeirado, fazendo casa para ácaros e insetos, apostilas de músicas, cartazes e panos velhos. O cheiro era de coisa velha, assim como devia ser a fé de Afonso sobre a vida. Para quem vivia o abandono, uma sala de aula abandonada. Feitos um para o outro.
Um dia, Afonso demorou para chegar em sala e os amigos estranharam porque ele nunca se atrasava. Foram até a sala de aula abandonada e não o encontraram por lá.
Foi um dia, foram dois, três... Foram lá durante semanas até que alguém decretou: Afonso sumiu! E a pergunta até hoje é essa: Onde está Afonso?
Muitas respostas surgiram, mas nenhuma foi confirmada. Surgiu até uma lenda urbana, que ninguém ousou confirmar. Em dias de muita chuva, vigilantes e estudantes da UEL juram ouvir sons abafados de piano vindo da sala.
A polícia chegou a abrir uma investigação, mas o inquérito pouco andou por falta de informações. Na verdade, ninguém sabia de Afonso. Não havia família e os poucos amigos da turma de música foram embora.
Agora, em março de 2024, o inquérito foi retomado depois de aparecer uma frase diferente na sala de aula abandonada. Em palavras pequenas, estava escrito “Por que procuram por mim, se eu sempre estive aqui”. Ao lado, havia uma seta apontando para baixo.
Ps. Conto fictício usado como atividade de produção textual no curso de Jornalismo na Universidade Estadual de Londrina
