Em 2001 fui participar de um evento da rede europeia de cidades saudáveis em Lódz, na Polônia. Foi uma viagem com dificuldades raras na vida. Para chegar ao destino, tive de pousar em Varsóvia. O tempo não ajudava. Era fevereiro e chovia insistentemente na capital polonesa. Foi ali que vivi o primeiro estranhamento: a língua. Não fazia muito tempo que o bloco soviético havia sido extinto e, até então, a língua estrangeira para os poloneses era o russo, quase ninguém falava inglês. E como é difícil caminhar pelas ruas de uma cidade onde as placas são incompreensíveis e a simples compra de um pedaço de pão transforma-se numa barreira quase intransponível.
Talvez o frio e a chuva não tenham ajudado, mas Varsóvia mostrou-se a mim como uma cidade muito triste. A cidade foi completamente destruída pelos nazistas e depois reerguida às pressas pelos russos, que imprimiram uma arquitetura dura, pesada, monolítica. A exceção é a Cidade Velha, que levou 60 anos para ser reerguida e foi reconstituída como nos tempos áureos do castelo real. Mas a Praça do Mercado acentua ainda mais as marcas deixadas pela guerra. Por onde se passa - igrejas, repartições públicas, parques, não é difícil encontrar placas imensas com listas de cidadãos mortos na guerra. Famílias inteiras! Tive a sensação de caminhar pelos túmulos de um cemitério, uma cidade-cemitério.
A próxima etapa exigia a compra de um bilhete e viagem de trem até Lódz, famosa pelas antigas indústrias têxteis, pelo gueto construído durante a grande guerra e por se transformar em um importante centro artístico e cultural europeu. Antes de chegar ao destino, novamente a sensação de estranhamento. A chuva foi cedendo espaço para a neve. Fazia muito frio e a locomotiva rasgava o infinito branco de algum ponto da Polônia perdido no mapa. As sinalizações do painel eletrônico não eram para amadores. Lia-se em polonês ou contava-se com a própria sorte. O mesmo ocorria com as mensagens repetidas insistentemente pelo alto-falante. E a língua polonesa sempre soava como uma advertência de alguma coisa muito grave que estava para ocorrer. Um novo bombardeio? Outra invasão nazista? Solidão absoluta. Sentimento de impotência diante de situações banais que me faziam sentir ridiculamente indefeso. Fiquei pensando em situações da vida que nos sentimos na condição de estrangeiro. Da sensação de descompasso entre o estar e o ser. Um ser insignificante e desprezível para o outro, como no país dos homens sem máscaras e que pensam que somente as suas próprias vidas é o que importa.