Cena 1: Colaborador que tem jornada de trabalho das 8h às 17h com uma hora de intervalo, “entra” no horário, aproveita a hora do almoço, “bate o ponto” às 17h, mas continua a trabalhar e deixa a empresa às 17h48.
Cena 2: Dois anos depois, o colaborador deixa a empresa e entra com ação trabalhista pedindo diferenças salariais porque todos os dias “fazia” hora extra, recebia o valor do adicional de hora extra, mas o recebia “por fora” e assim o valor não integrava o salário, o que deixava de gerar “reflexos” nas outras verbas (direitos) recebidas ao longo do contrato de trabalho, gerando uma diferença a receber.
Cena 3: Empresário (gestor) – que sempre disse que “não tinha problemas” e que por isso não precisava de assessoria jurídica e, sobretudo, compliance – recebe a notificação da Justiça, “corre atrás” agora de um advogado acreditando que esse “fará milagres” para ganhar a ação.
Cena 4: Advogado cobra o valor normal para uma defesa do tipo, baseado no valor total da ação.
Cena 5: Empresário se espanta com o valor e, com todos os cartões de ponto assinalados exatamente às 17h em mãos, brada: “Mas tudo isso por uma causa ganha?! Olha aqui (apontando para os cartões de ponto), minha empresa faz tudo certinho e tem todos os documentos bonitinhos!”.
Cena 6: Advogado, conhecedor do direito do trabalho, ouve todo o relato de como as coisas se davam na empresa e afirma que é grande a chance de ela perder a ação por causa de um princípio jurídico daquele ramo do Direito.
Cena 7: Empresário transtornado com a informação dispara: “Essa Justiça do Trabalho é uma vergonha, por issso que esse país não vai pra frente! Por quê então eu gasto um monte de dinheiro com DP, contador, RH e etc?!”, mas mesmo assim contrata o advogado, que apresenta a defesa junto com os documentos “certinhos” e “bonitinhos” (os cartões de ponto) da empresa.
Cena 8: Na audiência, o ex-colaborador consegue comprovar por outros meios que jamais parava de trabalhar às 17h, ou seja, que todos os dias fazia mesmo hora extra, e que recebia o valor do adicional “por fora”.
Cena 9: O processo todo transcorre até o fim e a empresa “perde” o processo, levando-a desembolsar elevada quantia para pagar a condenação.
E tudo isso aconteceu com a empresa porque o empresário, que achava – como a maioria – que não tinha “problemas” e que ter uma assessoria jurídica era um custo e não uma forma de proteger o “ganha-pão” seu e de sua família, não conhecia (ou nunca se deu ao trabalho de querer conhecer) o “Princípio da primazia da realidade” do direito do trabalho, segundo o qual a realidade dos fatos sempre deverá ser buscada em um processo, e sempre prevalecerá sobre a forma que a representar (documentos) quando forem discrepantes entre si.
Assim, de fato, pode acontecer mesmo de os documentos “certinhos” e “bonitinhos” de uma empresa não valerem de nada em uma ação, o que leva à moral da história (a mesma de artigo anterior): empresário, conheça os princípios do direito do trabalho.