O canto do urutau

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 11/04/2021
Horário 05:45

Do dia se fez noite. Lá longe se escuta apenas o urutau ou também conhecido por mãe-da-lua, algo semelhante a “foi, foi, foi....”, canto do pássaro que anuncia o presságio ou aviso da morte. Nome tupi que significa “ave fantasma”, diz a lenda que seria uma bela jovem que perdeu o seu amor, um jovem guerreiro da mesma tribo. Crendices da Amazônia. Curiosamente, o mesmo pássaro também é conhecido no Peru como “Ayaymama”, pois seu canto lembra uma criança exclamando “ai, ai, mama!”. A lenda peruana conta que um bebê foi abandonado por sua mãe na floresta para evitar que morresse por uma peste que já havia dizimado todo o povo. Ele então se transformou em uma ave, que todas as noites lamenta por sua mãe.
E o Brasil se aproxima de 350 mil vítimas fatais da Covid-19. No último mês de março, metade dos municípios paulistas registrou mais mortes do que nascimentos. Não há dúvidas que se trata de um evento extremo decorrente da pandemia, uma hecatombe, um tsunami. Como numa guerra, bombas diárias caem sobre nossas cabeças! 
Mas os números não morrem, quem morre são as pessoas. Estamos falando da  perda da força de trabalho que gera a riqueza do país. Estamos perdendo nossos an-ciãos, mas também os jovens, a força criativa do país. Intelectuais, artistas, trabalhadores de todas as áreas.  Nicette  Bruno, Paulinho do grupo Roupa Nova, Aldir Blanc, Agnaldo Timóteo, o crítico literário Alfredo Bosi, a liderança indígena Paulinho Paiakan, o escritor Sérgio Sant’Anna, a maestrina Naomi Munakata - titular do Theatro Municipal de São Paulo, o filósofo Miroslav Milovic da UnB, o  economista Carlos Lessa, o mestre Laureano Cordeiro do povo Pira-Tapuia, o bailarino e coreógrafo Ismael Ivo. Para citar apenas alguns nomes importantes de Presidente Prudente: o ortodentista Hugo Trevisi, o prof Amilton Amorim da UNESP, o cantor Matheus - da  dupla de Lucas, o psiquiatra e professor Paulo Nicolau da UNOESTE e muitos outros pais de família, comerciantes, religiosos, amigos que sonharam como todos os brasileiros. Tudo ao mesmo tempo, no mesmo lugar. 
É quando da primavera, surge o inverno. Da chuva, o vento. É quando do canto, surge o gripo e do espelho, o espinho. É quando da esperança surge o medo e da vida, o luto. É quando da paz surge a busca sem fim. Da sombra, o guia. Do norte, o rumo. Do som, o sentido. Do soldado, o apito...
Recolho a dor profunda. Rabisco os pergaminhos. Contemplo o frio silêncio do seu sorriso. Viver é uma marcha para o adeus!

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