O campinho da rua de baixo era um lugar animado, ponto de encontro das muitas crianças do bairro, que ali se reuniam todos os dias para brincar, jogar bola, soltar pipa, brincar de pega-pega, esconde-esconde, mamãe da rua. Os meninos gostavam de subir nas árvores, de jogar bolinhas de gude, soltar pião; as meninas de brincar de casinha, de boneca, amarelinha. Era, sem sombra de dúvidas, um local alegre, recheado de prazeres infantis. Apesar da pobreza do bairro, das dificuldades de casa, dos problemas dos adultos, as crianças eram felizes ali.
Entretanto, como em todos os grupos grandes e heterogêneos, entre as crianças do campinho, também havia seus líderes, que disputavam atenção, protagonismo e queria fazer de suas vontades a de todas as crianças. O primeiro deles, chamado carinhosamente de Pepe, era bondoso, gentil e sempre que podia queria o bem de todos. Generoso, procurava dar espaço para as crianças, deixando com que decidissem as brincadeiras, as regras dos jogos; defendia as meninas e protegia os mais novos das arbitrariedades dos riquinhos da rua de cima, que apareciam sempre no campinho.
Esses tinham seu líder, menino carismático, engraçado, mas de coração duro e feroz, de nome Adolfo, mas apelidado de Benito pelo avô. Benito era rico, pai empresário, mãe madame, achava-se superior e melhor que os outros. Era inteligente, embora não parecesse, sagaz e maldoso, fazia das suas vontades a lei do campinho. Não era forte, mas já tinha seus capangas, moleques mais velhos que andavam com ele, apavorando a convivência pacífica das crianças. Evidentemente que seu grupo passou a brigar constantemente com o grupo de Pepe e o conflito tomou vulto, com discussões, xingamentos e brigas para ver quem mandava no campinho.
A disputa começou a desgastar as relações e as crianças viam-se divididas. Pepe era muito legal, mas suas brincadeiras eram sempre as mesmas, pipa, pião, futebol, bola de gude, coisas de menino pobre. Benito tinha bola nova, carrinhos com controle remoto, pipa com led, ideias novas para brincadeiras, coisas que via nas viagens com a família. Era sedutor e parecia mesmo que todos gostavam dele, apesar de suas truculências e arbitrariedades. Depois de muitas brigas, decidiram por fazer uma eleição para decidir, de uma vez por todas, quem seria o líder do campinho. Os candidatos concordaram e Benito já se sentia o vencedor, pois apesar de muitos desafetos, poderia distribuir doces e conseguir os votos necessários.
Não foi o que aconteceu, porém, uma vez que perdeu a disputa por apenas três votos. A bondade de Pepe, seu carinho e generosidade fizeram a diferença e ele acabou vencendo. A maior parte das crianças dali era pobre como ele e a identificação fez toda a diferença. Benito ficou indignado, se trancou em casa por semanas, e pelos capangas, mandava mensagens, dizendo que a contagem dos votos foi roubada e que a escolha de Pepe foi uma fraude. Decidiu dar uma surra no Pepe, sumir com ele e assumir seu lugar na força. Seu pai ficou sabendo do plano e na última hora o impediu. A vontade da maioria prevaleceu, dessa vez.